O Brasil, um dos países de maior concentração de renda do mundo sofre com o Déficit Habitacional. E qual é a solução?

Devido a ausência de políticas habitacionais, o número de moradias irregulares tem aumentado nos últimos anos

O aumento da população e a falta de políticas públicas habitacionais fazem com que o número de pessoas que precisam morar em lugares impróprios à dignidade humana seja grande. Só no Brasil, de acordo com o doutorando do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano Regional (IPPUR/UFRJ), Guilherme Marques, existe cerca de dez milhões de famílias sem condições de moradia, o que representa, aproximadamente, 40 milhões de pessoas. Ao mesmo tempo em que há cerca de seis milhões de imóveis abandonados. Essa situação se reflete na Maré com o aumento do número de ocupações.

De acordo com o administrador da 30ª Região Administrativa da Maré, Delon Alves, de 49 anos, o grande número de ocupações na comunidade, é conseqüência também da falta de emprego. “Até quatro anos atrás tínhamos pelo menos 180 mil moradores aqui na comunidade. Por isso, esse crescimento acelerado de ocupações. As pessoas não têm dinheiro para pagar aluguel. Eu acredito que os governos estadual e federal deveriam investir mais aqui no complexo da Maré, principalmente em saneamento básico, e na oferta de emprego. Isso resolveria muitos problemas. E o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) poderia ser uma das soluções”, diz.

Segundo o doutorando Guilherme Marques, o problema habitacional está diretamente ligado à falta de emprego. “Hoje a questão da moradia não pode ser desvinculado ao problema de trabalho. Se for olhar na maioria das ocupações, o que se vê, são pessoas que estão desempregadas ou que tem empregos precários: são os tipos de empregos em que as pessoas não trabalham oito horas por dia, não tem salário fixo, nem carteira assinada, e depende de um bico para sobreviver”, fala.

Para Marques, normalmente quem tem esse tipo de emprego, tem dificuldade de ter acesso à moradia, já que trata-se de um bem muito caro. “A moradia não é algo que você produz e vende, ela é um bem que demora muito para ser fabricada, é diferente de uma lata de sardinha que você vai ao supermercado e compra. Para a habitação você precisa de um solo, o que depende muitas das vezes de um financiamento de um banco para construir. É algo muito caro e a grande parcela da população não tem acesso, a não ser por financiamento, e quem tem emprego precário não tem acesso a estes financiamentos, logo não tem empréstimos”, conclui Marques.

 Mandacaru: retrato do descaso do Estado

Atualmente, são cerca de 100 famílias que divide o mesmo espaço com insetos, lixos, chuva e ou esgoto a céu aberto na comunidade de Mandacaru. E não tendo como resolver o problema, há dois anos, a Prefeitura ameaçou removê-los. O objetivo era que eles trocassem seus barracos por menos de 1,5 mil reais, dependendo apenas do tamanho do barraco. O que causou desespero aos moradores, já que com esta quantia a única solução era o de ir para debaixo da ponte. Em épocas de chuvas, eles sofrem com as lamas, com os esgotos, sem contar nas doenças que aparecem e mata muita gente. Outro problema enfrentado por eles, é o desemprego, a maioria faz bicos e ou trabalham em galpões de reciclagem para sobreviver.

Para Dalva Martins, de 53 anos, moradora de Mandacaru desde o início da ocupação, há 14 anos, a ausência do Estado é grande. “O que sei é que temos direito a moradia, mas não temos casa. Nós estamos aqui abandonados pelo governo, pela prefeitura, não temos nada, não temos nem água. Carrego água todos os dias para a minha casa. Anos atrás queriam tirar a gente daqui, mas tirar a gente do nosso barraco e colocar na rua é mole. Mas isso é porque eles não estão na rua, nós é que estamos”. Dalva fala ainda sobre as doenças que enfrentam por causa do descaso. “Eu tenho uma neta toda mordida de rato, ela já fez quatro cirurgias plásticas no rosto, ficou toda mordida. Meu outro neto também foi mordido por rato. Estamos à mercê das ratazanas. Uma vizinha acabou de morrer com dengue hemorrágica. Isso é muito complicado, não temos nem médicos no posto daqui, temos que ir para os hospitais, e isso quando somos atendidos”, conclui a moradora.

Segundo a representante da Associação de Moradores de Marcílio Dias, Elenita Fernandes, que também atende a comunidade de Mandacaru, a ausência do Estado vai além da falta de habitação. “O correio não chega a lugar nenhum de Mandacaru, todas as cartas são deixadas aqui na associação. Sem contar na iluminação, que é precária, não tem postes de iluminação, em Mandacaru é tudo escuro à noite, é um lamaceiro, esgotos abertos, é muito inseto, muitas doenças. E há quatro meses, pelo menos 8 barracos pegaram fogo. As famílias que moravam neles, perderam tudo, agora estão na casa de parentes e vizinhos. O bombeiro demorou muito para chegar, e quando chegou já não tinha mais nada, perderam tudo, os moradores até tentaram apagar o fogo, mas tudo se perdeu”, diz Elenita.

Outras ocupações da Maré passam pelo mesmo que Mandacaru, os problemas se repetem. Na ocupação Mclaren, localizada na divisa entre Vila do Pinheiro e Baixa do Sapateiro, moradores também precisam se virar com as doenças que aparecem por causa dos insetos, dos esgotos e do mau cheiro, em dias de chuva. A. Oliveira, de 26 anos, mãe de três filhos, relata sua insatisfação com a situação em que vive. Morar aqui é horrível, tem rato, lacraia, baratas, vários bichos. Aqui é um lugar péssimo de se morar, só moro aqui porque preciso. Vivo aqui há dois anos, tenho três filhos. Quando chove, as casas ficam cheias, o esgoto é aberto, as crianças ficam doentes, pegam frieiras, coceiras. Na casa da minha irmã, que é segundo barraco, sempre enche, o esgoto e a chuva invadem a casa dela”, diz a moradora.

Lucileide Paez, de 37 anos, moradora de um dos terrenos ocupados no Morro do Timbau, na rua Capitão Carlos, fala sobre a realidade de uma ocupação. “Moro aqui há sete meses. Auxílios, não têm nenhum. Algumas coisas têm que ser melhorada, como a energia, a água”, diz a moradora. Mesmo nessa situação, ela revela preferir viver na ocupação. “Se for para tirar a gente daqui e colocar em um lugar pior, eu prefiro ficar aqui mesmo”, afirma.

“Ocupar, resistir e lutar para não sair”As ocupações no Brasil se configuram como uma estratégia política de pressão dos movimentos sociais em busca de Reformas Urbana e Agrária.

De acordo com Marques, as ocupações é uma das formas de resolver o problema da moradia. “E se as ocupações são feitas de forma organizada, politizada, elas podem resolver não só este problema, mas também os de trabalho e renda, de segurança, de educação e de saúde, entre outras coisas”, afirma.

Para o doutorando, a solução para o problema de moradia está nas políticas públicas voltadas para os setores de baixa renda. “É preciso políticas habitacionais, mas com subsidio, com auxílios, e criar uma perspectiva mais ampla de reforma urbana. Porque para resolver o problema habitacional que é misturado com o de trabalho, tem que resolver o problema de transporte, de política de segurança, entre outras coisas. As ocupações são soluções que o movimento consegue criar, mas não resolve tudo, é preciso que o Estado, que os governantes façam políticas com subsídios para acabar com estes problemas”, completa.  

Moradia não significa apenas ter um lugar, uma casa para morar, e sim, ter garantia também de outros diretos básicos para a sobrevivência de cada cidadão, dentre eles: saneamento básico, iluminação, segurança, saúde, educação, emprego, cultura, lazer, entre outros. É o que Gláucia Marinho, de 23 anos, moradora da Ocupação Chiquinha Gonzaga, Centro do Rio, afirma. “A nossa luta é por moradia, mas não só por isso, porque depois que a gente ocupou o prédio, a gente descobriu que existem outras necessidades: trabalho, educação, a luta nunca é por uma coisa apenas”, finaliza.

Assim como Gláucia, Marques afirma que a moradia não é a única forma de sobrevivência. “Com as ocupações, as pessoas não resolvem só o problema do seu teto, de um espaço para viver, mas ainda o de segurança, o de educação, o de acesso a bens culturais. Além dos debates e filmes que são passados e discutidos nas ocupações organizadas, se aprende a viver em coletivo, resolvendo sempre os problemas em grupo, até porque a maioria dessas pessoas tem problemas parecidos, tornando as soluções mais possíveis”, conta o doutorando.

 Por Gizele Martins e Renata Souza

Matéria principal do Jornal O Cidadão, edição 58.

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