O Caso Hampton e O Estado de Exceção Permanente

Fred Hampton (ago/1948 - dez/1969), ativista e revolucionário afro-americano. Imagem: Reprodução internet.

Existem paralelos definitivos e aproximações indispensáveis a uma ampla reflexão em nossos tempos entre o caso dos líderes Fred Hampton e Mark Clarck, dos Panteras Negras, e de lideranças populares cá em baixo do hemisfério, marcados como alvos pelas entranhas dos Estados, disfarçadamente democráticos. Felizmente, reagindo e prometendo luz e chama por toda América Latina.

O Partido dos Panteras Negras para a Auto-defesa, denominação original, fora uma organização revolucionária marxista-leninista, criada em 1966, inicialmente para patrulhamento de cidadãos armados e monitoramento como forma de denunciar as forças policiais e suas constantes, indignas e brutais operações, em Oakland, Califórnia.

Daí seguiram-se programas sociais comunitários, como clínicas de saúde, café da manhã gratuitos a crianças e uma determinante campanha e agitação contra a segregação racial, o alistamento militar obrigatório e o neocolonialismo das potências ocidentais (repúdio a intervenção estadunidense no Vietnã). Assim, tornaram-se – com agilidade impressionante – tanto uma alternativa de vanguarda radical e legítima para a emancipação da população negra e de marginalizados, quanto uma ameaça às estruturas hegemônicas daquele país, profundamente branca, racista e conservadora. Uma organização que se desdobrou nacionalmente, operando sedes em 68 cidades, com filiações internacionais, nos anos 1970.

O Partido desencadeou energias adormecidas, para aqueles que entendiam como direção infrutífera a dos veteranos Martin Luther King e Malcolm X, já mártires naquele momento. Fred Hampton ganhara estatura e encaixe histórico nesse vácuo deixado. Como líder carismático, repontou o objetivo nacionalista militante de Malcolm X e o evangelho social de King, unindo-os em uma visão, unindo negros, brancos, porto-riquenhos e nativos americanos, sobe essa visão.

“E nós vamos dizer, depois que eu e que todo mundo for pra cadeia, que é possível prender um revolucionário, mas não podem prender a revolução”, declara Fred Hampton, num ato nas ruas.

Tamanho fora o medo da elite daquele país, com alguém que atingia as consciências para além dos negros, com enraizamentos para os explorados em geral, que não tardou e em 4 de dezembro, há exatos cinquenta anos, Fred Hampton, antes do amanhecer, fora assassinado.

Rugiram impiedosamente 89 tiros ao menos, segundo um examinador do FBI na cena do crime. Apenas um tiro saiu do apartamento, com nove pessoas ao todo. Quatro feridas e três ilesas, Mark Clarck morrera na sala e Fred Hampton na cama, sem qualquer reação, com tiros na cabeça ao lado da esposa grávida.

Assata Shakur, líder do Exército de Libertação Negra (BLA), afirmara: “Essa ordem é dada por J. Edgar Hoover, essencialmente para destruir qualquer movimento negro, progressista… e de terceiro mundo nesse país.” Shakur fora presa, acusada da morte de um policial. Efetua uma fuga em 1979 e vai para Cuba. Desde 2013 se tornara a primeira mulher na lista de terroristas do FBI.

O Partido dos Panteras Negras não se rendeu. Fora desarticulado e expugnado palmo a palmo, pelo aparelho de Estado Norte-Americano. Num espaço de quatro anos somente, King, Malcom X e Hampton foram “neutralizados”, como diria Edgar Hoover. Os Panteras resistiram até o esgotamento completo, quando dos seus 27 membros últimos, no início dos anos 1980.

O Programa de Contrainteligência (Cointelpro), gestado na CIA, como programa secreto e ilegal para fiscalizar e neutralizar os inimigos e ameaças estrangeiras, se notabilizou como um programa do FBI. Edgar Hoover implementara as técnicas para um inimigo interno, “os extremistas da identidade negra”, como os considerava.

 

O PARALELO

“O Estado de Exceção na América Latina é Regra” (Agustín Cueva, sociólogo equatoriano). Obviamente, a substância aqui posicionada diz respeito tanto e não só ao combate às lutas sociais anticoloniais terceiro-mundistas colocadas em pauta no século XX, o século das utopias, que ainda fervilha entre nós (se não em sua forma mais “ingênua”, em sua indignação), quanto ao combate a toda forma de emancipação definitiva e objetiva das populações excluídas de toda riqueza produzida.

As perseguições e assassinatos que ocorreram abertamente aos líderes por direitos civis básicos e a revolucionários como no caso de Hampton na América do Norte, ainda ocorrem com virulência cotidiana em toda América latina, ininterruptamente. Beirando de tal maneira a normalidade, que as mídias corporativas não se ocupam delas inteiramente. Como forma de apaziguamento das tensões sociais, afirmam posição humanista, quando inevitáveis a comoção popular. No entanto a necessidade de manter e conservar a distância de classes na sociedade, abre precedentes de exceção aqui e acolá, como de hábito, já imperceptíveis a sensibilidade das massas, para calar a voz rebelde, rude e verdadeira do povo e seus líderes.

Técnicas repressivas absolutamente comuns na América Latina, que tiveram seu auge nas ditaduras pela região, podem na história recente, ser sintetizadas na Operação Condor (aliança político-militar e CIA, co-autora de todos os golpes de Estado por aqui, com o objetivo de coordenar repressões a opositores) se prolongam e se manifestam permanentemente, mesmo muito após a queda e transição desses regimes. Uma máquina opressora ante a vontade das massas. Uma forma banhada no cerne das nossas ditas, democracias latinoamericanas.

Exemplos, são: Massacres de Tlatelolco (México), El Dorado dos Carajás (Brasil), Caracazo (Venezuela) neste último, o governo identificou a morte de 300 pessoas, 2.000 mil desaparecidas e milhares de feridas. Entretanto, números extraoficiais alegam a morte de pelo menos 3.000 pessoas, entre tantos outros.

Estão em andamento protestos e ocupações nas ruas do Chile (contra o neoliberalismo), Bolívia (contra o Golpe), Haiti (contra o neoliberalismo), Colômbia (contra o neocolonialismo), Equador (contra o Golpe), notadamente com repressivas práticas em comum, milhares de cegos com tiros de borracha nos olhos, estupros de mulheres, desaparecidos, mortos e infindáveis presos políticos. Bem como, as cirúrgica e estrategicamente eliminadas: Maritza Quiroz e Maria del Pilar (Colômbia), e Marielle Franco, num caso de crime político que ainda se desencadeia. Recentemente chefes indígenas aqui como na Bolívia amazônica estão sendo assassinados, no acirramento das lutas por direito à terra, em confronto ao agronegócio e a exploração do subsolo por mineradoras transnacionais.

Diante das últimas jornadas de insatisfação e reivindicação, causadas pelo arrocho salarial, precarização e uberização das relações de trabalho, término de direitos, fim de programas sociais e de assentamento de terras, privatizações generalizadas … , ou seja, pelo fim do welfare state (estado de bem estar social, espécie de conciliação entre classes, para uma “migalha a mais na distribuição de renda das sociedades ocidentais) as quais vivenciamos hoje, raivosamente repelidas pelas forças de segurança, diante da emergência da população por mudanças estruturais.

A experiência nos mostra que em toda periferia do sistema capitalista, antes de tudo, nunca houvera trégua: eliminação, encarceramento em massa, perseguição jurídico-político (Lawfer – Guerra Jurídica) a representantes dos interesses das camadas marginalizadas, massacres étnicos (negros e negras, indígenas…), é de fato uma política de Estado, independente de governos, nunca houvera em verdade diminuição dessa realidade. (Igual ao caso Hampton e todo o movimento negro dos EUA, ainda hoje em muitos aspectos- referência, filme 13  ͣ Emenda  da cineasta Ava Duvernay).

Abre-se, entretanto, uma janela oportuna de repensarmos e retomarmos um programa com perspectivas reais de transformação da sociedade. Bradam dos túmulos os mártires, que deixaram-nos o entusiasmo, a centelha, os pensamentos radicais firmados em atitudes, o sopro eterno muito além dos horizontes, subitamente apagados, nos desafiando a nitidez do caminho que se ilumina a nossa frente.