O Sol ainda nem havia se inclinado, mas eu já estava de olhos abertos. Com a ansiedade a me dominar, peguei o celular e fui ver o resultado do vestibular. Horário de verão, cinco e pouca da manhã, mas, não sei o porquê de tanta ansiedade, eu estava desempregado. Tinha sido demitido no final de janeiro, não fazia nem um mês, o que me deixou sem reação. Porque desde o primeiro dia fora dedicado em minhas tarefas, o que me rendeu o destaque do mês.
Talvez aquilo fosse um pesadelo, pensei.
Depois de duas horas consegui dormir. Minha mente proferia tantos pensamentos que um atropelava o outro. Quando levantei, fui olhar pra ver se o resultado já tinha saído e o site estava uma merda, “por que só acontece comigo?”, xingava o celular, como se o aparelho fosse o culpado por minha raiva.
Quando consegui olhar, não acreditei. Lá estava eu entre os cinco selecionados. Fechei o site e abri de novo pra confirmar se aquilo não era um sonho. Por um momento, quis sorrir para o mundo, mas sorrir de alegria, dessas que incomodam os revoltados com a vida, como eu já fui.
Aprovado pra Jornalismo, iria voltar pra faculdade que havia deixado há um ano quando larguei o curso da área de informática. Pra ser sincero, estava desacreditado do mundo e cético de mim mesmo. Tão frustrado que deixei de fazer o que mais amo, escrever. O dia poderia ter terminado feliz, não fosse pela forte chuva que causou uma enchente na favela e deixou famílias desabrigadas e sem ter o que comer. Nessas horas, quando Deus manifesta sua presença nas pessoas que se solidarizam, consigo perceber que a tragédia nos une, cúmplices do sofrimento. Pra piorar, o cachorro da minha tia morreu, que descanse em paz. “Nada como um dia após o outro”, a frase dos Racionais sempre passa pela cabeça essas horas.
No dia seguinte, as casas iam sendo lavadas, os móveis amontoavam-se no lixo e com aquele aperto no peito caminhei até o ponto e peguei o 711 – ônibus que vai para o Rio Comprido. Ao redor, a paisagem familiar me trazia devaneios…Também trouxe a lembrança de quando deixei a casa de minha mãe com diversos pensamentos ruins. O crime me era próximo, a rua me atraía mais que a escola, que ficava do lado da facção rival. Por morar do outro lado, era considerado inimigo, mesmo que ainda não fosse envolvido. Minha mãe não se importava se eu ia ou não pra escola, por que eu deveria me importar? Só que alguém me deu uma ideia, me esquivei desse caminho. Lembrei que o rap foi pra mim, quando o meu se absteve de ser. Pensei na minha filha, nas crianças que correm pelos becos com armas de brinquedo, quando poderiam carregar livros.
Desci no ponto final e o ar que respirava era conhecido. Subi os degraus da entrada maravilhado com aquilo, porque sei que onde moro poucos tem a oportunidade de chegar onde cheguei. Caminhei até o auditório e fui atendido por uma bela moça, Priscila. Saí de lá agradecendo a Deus e a Dona Helena, minha bisavó. A sobrevivência me arrastou pra longe dela, talvez nem a veja em vida, mas sempre a carrego nos pensamentos, porque a vida é assim: Um dia seremos pra alguém a saudade que sentimos.