O deputado Jean Wyllys vem sendo ameaçado e sabe que corre perigo. Avisou às autoridades, mas não foi levado a sério e teme por sua vida, com razão. Todos nos lembramos dos seus embates com Jair Bolsonaro no plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília, e temos observado o “modus operandi” da extrema direita em episódios destacados na mídia durante a recente campanha eleitoral. Repórteres agredidos por seguidores em algumas capitais, cerca de 70 registros policiais no país, quase dois terços atribuídos a eleitores identificados com Jair Bolsonaro. Traumatismo craniano, suástica riscada a ponta de faca na pele, quase atropelamento proposital, exemplos da escalada violenta cuja vítima maior foi o mestre de capoeira e ativista cultural Moa do Katendê, 63 anos, esfaqueado à morte num bar em Salvador.
É o crescendo da intolerância inspirada e incentivada pelo então candidato, apesar de suas negativas e esquivas. Com seu comportamento estúpido, suas agressões verbais a deputados em Brasília, as “arminhas” de campanha, Bolsonaro não precisa provar nada para termos certeza de que ele insufla e instiga o mesmo tom na sua torcida. As pessoas seguem seus ensinamentos, em especial forças policiais responsáveis pela segurança pública, que tomaram partido ainda durante o impeachment e mantêm posição sempre bem clara sobre o lado em que estão.
As “arminhas” feitas com as mãos por Bolsonaro e seus seguidores não são inocentes e Jean Wyllys sabe disso desde o primeiro confronto com Bolsonaro na Câmara, o episódio da cusparada que disparou e a onda de indignação que se seguiu. Agora, simulações com as mãos são acompanhadas de olhares raivosos, sorrisos crispados, a cara do Chucky. São a preparação da sociedade para a liberação das armas, passaporte para a execução dos “dispensáveis” pretos, índios, pobres e, no embalo, gays, comunistas, esquerdistas, anarquistas. Quando o time campeão nacional chama Bolsonaro para a entrega da taça está demonstrando a admiração por ele; mas quando seus jogadores posam para foto empunhando “arminhas” com ar ameaçador estão um passo além: estão engajados, prontos para atirar na “cabecinha”, como prescreveu o próximo governador do Rio de Janeiro.
O maior temor do deputado ameaçado é virar uma nova Marielle Franco, eliminado pelas ideias sem muita coloração política mas com ideologia bem definida de manter o país no atraso secular, traduzido no cartaz empunhado há dois anos nos protestos contra Dilma “Quero meu país de volta”. Que país é esse? É o país que Bolsonaro prometeu resgatar quando disse que seu ideal é voltar 40, 50 anos atrás. É o país dos escravos domésticos, dos limpadores de janelas nos altos prédios, dos lavadores de carros, das faxineiras de joelhos no porcelanato da madame.
Neste país que querem de volta, os esquadrões da morte agiam em total impunidade. Telefonavam para redações de jornais avisando onde tinham “desovado” corpos naquela madrugada. O país da imprensa amordaçada, onde roubava- se à vontade, mas jornal não noticiava, polícia não apurava e a vida seguia calma como cemitério, a gente batendo continência aqui e ali, um guarda em cada esquina, um delator em cada janela. Houvesse, na época, celular, os militares com certeza mandariam fazer fotos de professores em sala de aula. Neste país de meio século atrás, não havia tampouco redes sociais nem um mundo inteiro de olho no Brasil. Não havia Escola Sem Partido, escola não tinha voz, não havia Marielle nem havia Jean Wyllys.
A marcha acelerada rumo ao passado é a causa da apreensão do deputado, que se identifica como alvo especial da nova temporada de caça às bruxas, como quando a ditadura baixou o AI-5 e liberou assassinatos e desaparecimentos, exatamente 50 anos atrás.