Em 07 de julho de 2011, foi inaugurado o primeiro sistema de transporte de massas por cabos aqui no Brasil. O local escolhido foi o Complexo de Favelas do Alemão, Zona Norte do Rio de Janeiro. O momento era áureo e apoteótico: imprensa de várias partes do Brasil e do mundo aqui, presidenta do país, governador do Estado e prefeito eufóricos e em clímax total. Na conjuntura do momento, daqueles dias, o Brasil vivenciava a ansiedade de se tornar uma superpotência no cenário mundial. Tudo era “promessa politica”.
Os moradores em êxtase e alegria: uma festa foi montada ao sabor de champagne para os convidados vips, bolo e guaraná para os moradores que faziam a figuração. Era tudo novo e esplendido, era o inicio de uma Nova Era que viria para acalentar e aplacar os dias maus que vivíamos aqui. Tudo parecia doce como o bolo daquele dia. Só não sabíamos que metaforicamente “levaríamos um bolo” cinco anos depois.
Lembro bem como foi tudo: as desapropriações dos locais onde seriam as estações, as remoções para a implantação das grandes torres, muitos caminhões e operários aos montes – isso foi até positivo, muitos moradores foram empregados e vários ganharam uma profissão na construção civil. O comércio foi fortalecido, e todos presenciaram uma “Serra Pelada” no coração da Zona Norte da Cidade Maravilhosa. As imensas estações sendo erguidas; muito ferro grosso e cimento, engenheiros, arquitetos e construtores e milhares de moradores afoitos com o promissor futuro. As promessas eram muitas. Uns diziam: “Vão vir turistas, estão falando lá na obra”. “Vai ter cenário de novela e filme aqui, eu ouvi dizer”, falou outra moradora curiosa. Era tudo muito utópico e sonhador. Brincaram com todos as nossas expectativas e sonhos… Covardes!
Foram momentos áureos e de grande prosperidade aqui. Milhares de pessoas nas filas durante o grande dia de andar pela primeira vez nessa grande obra, na qual foram gastos R$993 milhões, segundo amplamente divulgado na imprensa. Parecia um sonho ou uma analogia ao texto bíblico no tempo de José do Egito, que dizia que viriam sete anos de vacas gordas, mas que também viriam sete anos de vacas magras. Foi tudo um grande engodo a todos nós. Podemos comparar. Foram apenas cinco anos.
É deprimente lembrar do dia da alegria do nosso povo. Ver todas as gôndolas cheias era algo que nunca imaginaríamos aqui. Isso impactante: pessoas de várias partes da cidade pela primeira vez tomariam coragem de vir aqui – milhares delas, ao mesmo tempo. Os turistas, de quem tanto se havia falado nos becos, vieram aos montes, gerando muito renda e a possibilidade de sermos vistos por pessoas de várias partes do mundo. Foi muito bom!
Com esse “Portal Aéreo Via Cabos”, muitos adentraram pela primeira vez a nossa dimensão. Pela primeira vez, o mundo começou a nos enxergar. Repórteres, pesquisadores, estudantes das mais diversas cadeiras, estudiosos e curiosos também vieram ver de perto como era a Favela. Seguros pela iminência da tal “pacificação” e do conforto do Teleférico, eles vieram… O momento que assustou a classe dominante dessa “Cidade Partida” foi ver estampado no jornal a manchete de que o Teleférico do Alemão estava transportando 12 mil pessoas por dia, atingindo a marca de 2 milhões por ano.
A Favela estava sendo vista aos olhos de muita gente. Muitos moradores foram potencializados com a lucratividade dos turistas que passaram a vir. Aqui se tornou um local de visitação obrigatória. Todos que vinham ao Rio tinham que vir aqui – não importava a classe social, todos vinham. Os tempos eram áureos de verdade.
Mesmo sendo um “Safari via Cabos”, o Teleférico foi uma agulha que furou a bolha que nos envolvia, que faziam com que não fôssemos vistos. Agora, todos tinham contato com o povo do gueto. Isso foi muito positivo, muitos daqui souberam aproveitar e surfar na onda do momento, foram vistos como atores locais e estão por aí usufruindo de tudo que aconteceu.
Agora, estamos em Outubro de 2016, e o Teleférico está com as estações fechadas e abandonadas. As gôndolas foram recolhidas. Os trabalhadores foram demitidos e 90% era do morro. O mais complicado de tudo é ver que os beneficiários de uma obra desse porte, onde milhões foram gastos e que nasceu para facilitar a mobilidade de idosos e deficientes que precisam se locomover diariamente, hoje voltaram a ficar isolados dentro de seus barracos. Os estudantes, que também na sua grande maioria se beneficiavam desse serviço, agora já não têm como ir estudar, pois, para quem não sabe, muitos jovens voltaram a estudar justamente pela facilidade da locomoção. Os comerciantes, que na sua grande maioria o utilizavam para ir ao bairro de Bonsucesso reabastecer seus comércios e até para chegar ao Centro da Cidade via integração com o trem, hoje viram os seus custos aumentarem e a necessidade de repassar a diferença para nós, os moradores.
É inadimissível o fechamento do Teleférico do Alemão. É um tapa na cara de toda a sociedade do Rio de Janeiro e do Brasil. Foi nosso dinheiro que bancou essa grande obra, não é cabível que aceitemos o fechamento total desse grande símbolo de novos tempos que pode vir a ser enterrado junto com toda a esperança que um dia tivemos. Só digo uma coisa aos governantes: caso se consolide mesmo a fechamento do Teleférico, vocês estarão assinando o atestado de corruptos, salafrários, inescrupulosos, larápios, mentirosos e destruidores de esperança.
Por último, quero dizer que não deixaremos de sonhar, e aqueles que conseguiram sair da bolha ainda estão por aqui fazendo acontecer. Não deixaremos ir embora desta maneira tudo aquilo que experimentamos. É um aviso.
Cléber Araújo é morador do Complexo do Alemão e escreve às terças-feiras no portal da Agência de Notícias das Favelas.