A Avenida Central do Morro do Alemão esteve mais movimentada que o normal no último sábado (01), que começou nublado e abafado, mas foi permitindo o sol tomar seu lugar no céu ao fim da tarde e ficar até a noite cair. Neste clima quente, de temperatura e afetos, a galera foi chegando de mansinho à sede do Raízes em Movimento e à Praça Verde do Alemão, onde se desenrolou o Circulando: Diálogo e comunicação na favela de 2018.
Você não sabe o que é Circulando? Clica nesse link da matéria que a ANF fez: http://www.anf.org.br/circulando-dialogo-e-comunicacao-da-favela/
Segundo Carlos Cout – fotógrafo, participante da cobertura do evento e membro do Coletivo Papo Reto: “Quem disse que o carnaval é a festa mais importante da cidade é por que não conhece o Circulando”. Sem querer alimentar polêmicas, mas também sem deixar a peteca – ou o maracá – cair, fica a descontração da frase para falar de sua décima quarta edição, que veio recheada de DIVERSIDADES.
Já pela manhã, a rua e outros espaços começaram a ser ocupados com barracas expositivas. As baias de estacionamento receberam uma roda de conversas – produzida em parceria com a Usina de Valores e o Educap/Juventude (UFRJ) -, em que a questão dos Direitos Humanos foi tratada de forma bastante criativa. Através da representação de um corpo no papel, as/os participantes expressavam, com rasuras, rabiscos e quaisquer outros desenhos as formas pelas quais os Direitos Humanos, ou suas violações, afetam concreta e materialmente os corpos e a vida cotidiana das pessoas.
Na laje do Instituto Raízes em Movimento, o bate-papo girava em torno de memórias insurgentes, aquelas que resistem ao tempo, inclusive da ditadura, do racismo e da criminalização da pobreza – na aula do curso Histórias Vivas, ministrada por Gizele Martins e Fransérgio Goulart.
Simultaneamente, atividades infantis de pintura e a contação de histórias guiadas pela parceira, Marina Campos, davam um tom especial, pois ocupar ruas nestes dias tem sido um enorme desafio, ainda mais quando se trata da presença das crianças no espaço público. Ah! Elas pintaram o “7” com giz de cera, canetinha e os sprays para produção dos lambe-lambes. Não sobrou nem pro muro da vizinha, que ganhou um novo visual com a ajuda das crianças que seguiam atentamente as orientações da artista-educadora, Paula Estrela.
SEGUE O BAILE…
À tarde rolou um almoço nível “Masterchef” muito bem servido pela Marilene e sua equipe. Segue aqui, um salve e um enorme agradecimento por essa guerreira que sempre fecha com o Raízes!! Logo depois, sem tempo para aquela “lombeira” do pós-almoço, começou a oficina de turbantes, a primeira sessão do cine clube e, aí sim, para quem quisesse dar uma deligada, a tenda de relaxamento.
O desenrolo continuou com o Favelaldeia – “Nossas lutas são as mesmas” e o Porancy realizado pelo Taquari e Iracema, Povo Tupinambás de Olivença, da aldeia Itapoã, de Ilhéus, que pisaram nas terras do Alemão e fizeram daqui sua casa. O Porancy é uma prática Tupinambá de reconexão com a terra e seus antepassados para renovação dos laços do grupo com sua história e cultura; mas também, como foi no sábado, de criação de novos laços, com outros povos, unindo a favela e a aldeia. Pouco depois, a galera do Ocupa Alemão manteve as palavras de ordem e uma vez mais reafirmou a necessidade de libertação de Rafael Braga, preso, por ser pobre, preto e favelado.
Após os momentos mais solenes, as artes urbanas tomaram conta das ruas. “O Circulando estava lindo demais”, disse Rafael Carvalho, um dos ritmistas do Bloco d’águas, vindo da Penha e buscando o mundo, sob as bênçãos de Iemanjá; que também deu a benção à segunda sessão do Cineclube, que contou com a exibição do filme “Nosso Sagrado”, da Quiprocó Filmes. Depois foi o momento das performances, começando com Quitta Pinheiro, que quebrou tudo com sua apresentação “A traveca”, celebrando as diversas formas de amar e existir; e o Slam Laje trouxe sensibilidade e força para as ruas, enchendo-as de rimas e poesias, numa batalha em que as palavras voaram e os versos comeram soltos.
“O Raízes não convida, faz convocação”, diz Veríssimo Jr., diretor do Teatro da Laje, que esteve presente mais uma vez – como sempre -, desta vez com sua “última resenha”. Que não finalizou nada, pois como em qualquer peça, o Circulando tem os momentos que fogem do script. Foi, assim por exemplo, o retorno do Bloco d’Águas para a dobradinha da Penha com o Teatro da Laje; mas também a intervenção do Cosme Felipsen e da banda Tambores do Alemão, que mandou um rock da pesada, e deixou a Lúcia do Educap (onde eles ensaiam) encantada: “Não existe um evento como Circulando deveria ter pelo menos uns três por ano”.
À noite rodada dupla de forró. As meninas da “Flor do Manacá” e a galera dos “Misturados” mandaram ver e o palco dos arrasta-pés ficou lindo. Rapidamente pessoas se uniram a outras para dançar. Uma atmosfera gostosa, alegre e com uma energia contagiante. Ver vários pares como numa dança de salão foi maravilhoso. Um salão diferente, como não podia deixar de ser, aberto e com uma única “exigência”: Se divertir!
SOMOS JUNTXS!
Ao som da Zabumba e da sanfona, a 14ª edição do Circulando se encerrou, de mansinho, como começou. A ideia desta edição foi construir um cenário no qual a diversidade pudesse não apenas aparecer como o mote do evento, mas estar imbricada nas teias das muitas atividades e ações, que são marcas do circulando, a fim de, nestes tempos tão sombrios, disputar política e discursivamente os espaços urbanos, além de se valer da arte, cultura e alegria como fonte inspiradora da diversidade humana. A edição do Circulando de 2018 foi assim. Muita festa. Muita alegria e diversidade.