O fim do humanismo

Em navegação exploratória pela internet deparei com artigo do professor camaronês Achille Mbembe em pensarcontemporaneo.com/humanismo-mbembe que, embora datado de dezembro de 2016, faz uma análise premonitória dos tempos que vivemos hoje, muito em especial aqui no Brasil. Tontos em meio às hipóteses, teorias e fake news usadas como munição de guerra ideológica e política, não percebemos muito do cenário mundial no qual estamos inseridos. Nos preocupamos com a interferência americana nas últimas eleições e com a fórmula usada pela Cambridge Analytica para repetir aqui o sucesso obtido nas eleições de Trump há dois anos. Mas isso é café pequeno, como se dizia no tempo em que Dondon jogava no Andaraí. O artigo de Mbembe é demolidor ao situar os movimentos políticos e ideológicos na guerra entre o capitalismo e a democracia, o humanismo vencido pelo mercado visto como religião única que vai acabar com todos os sonhos humanos.

O mundo é o grande mercado resultante do fim da União Soviética, que globalizou a economia e liquidou a velha dicotomia entre socialismo/comunismo e criou outra, a democracia/capitalismo. Some-se a isso a expansão das redes sociais e a consequente banalização da violência, da intolerância e do ódio sem qualquer vestígio de inteligência nas discussões travadas. Até há algum tempo os embates se davam nas salas acadêmicas, meios intelectuais e gabinetes políticos. Agora, o subconsciente ganhou vez e voz, a caixa de pandora dos pensamentos até ali restritos a uns poucos lança todo tipo de disparate, a Terra já não é redonda, Hitler foi um esquerdista e fatos históricos como o holocausto na segunda guerra ou a ditadura no Brasil em 1964. A verdade não importa, o conteúdo é a forma, que se impõe para além do entendimento. A história não vale nada porque não tem serventia. Para que saber tanta coisa do passado se para sobreviver hoje a pessoa deve prescindir de todo conhecimento humanista? Neste sentido, a Terra plana é absolutamente irrelevante; interessa muito mais discutir novas tendências do mercado, novos aplicativos na rede, boatos capazes de elevar ou aniquilar pessoas, bolsas, governos.

A gente se espanta porque o presidente vai armar a população e o governador do Rio de Janeiro vai mandar matar quem estiver armado, não importa se com um guarda-chuva ou uma furadeira, desde que na favela, ou seja, fora do mercado. Ambos foram eleitos por nós, as eleições não representam a vontade popular. Eleitos obtiveram menos votos do que adversários, mais ausentes e votos nulos. A democracia como sistema que busca o bem-estar da população está liquidada pela ganância capitalista do mercado em busca do lucro acima de tudo, inclusive da própria vida no planeta.

O Brasil do amanhã se propõe a integrar o grupo dos dirigentes da nova ordem mundial, inclusive com entrada no grupo de risco do terrorismo internacional ao mudar sua embaixada para Jerusalém. É o medo do terror muitas vezes inexistente que se instala e se alimenta o terror do estado. É assim nos Estados Unidos, assim será na colônia. Nesta nova conjuntura, “mãos ao alto!” é coisa do passado, não se usa mais. Nem mesmo o “mantenha as mãos onde eu possa ver” ou o “ponha as mãos no volante”. No Brasil será o tiro certeiro “na cabecinha”, o drone sobre a favela, a morte voadora, sem foice, asséptica e cirúrgica. Morte palestina e severina, sem o rosto do carrasco, anônima, imoral, covarde.

Nossa única opção é mãos dadas e coragem, cabeça erguida e coragem, força na voz e coragem, amor no coração e coragem. Nossa luta não é contra o capitão nem o general; nossa luta é contra o mal deste mundo. Esta é a briga boa! A briga pelo humanismo, pela fraternidade e contra o poder da besta do mercado e da barbárie.