São 5 horas da manhã, e os meninos tem 6 e 7 anos, mas já acordam com frases do tipo “você se comporta como uma mulherzinha”, “vou te bater até você entender”… Situações como essas são mais comuns que o café na mesa das crianças – aliás, isso é o que mais falta no lugar onde moro, mas esse já é um assunto para um outro texto.
Diariamente, nas minhas ações do Autoestima Diva, encontro mães que reproduzem esse tipo de atitude com seus filhos. Ao conversar com elas, meu espanto foi perceber que realmente elas não tinham a mínima noção de como estavam formando aqueles seres humanos, reproduzindo ou sendo tão machistas quanto foram criadas. Em função disso, fiquei muitos dias pensando em como nós mulheres estamos algumas vezes repassando o machismo que nos foi enfiado pela garganta.
“Se comporte como uma menina”, “futebol é brincadeira para homens”, “você nunca conseguirá um bom casamento se não aprender as tarefas de casa”: com certeza, o feminismo não precisaria existir se não fosse a presença do machismo. Em um tempo em que o empoderamento feminino tem crescido, me pergunto se esse poder dado aos homens ferrou apenas com a gente. Cheguei à conclusão de que ambos os lados foram extremamente violentados em suas liberdades naturais. Pode parecer estranho, mas o fato é que o machismo oprime, de formas diferentes tanto homens como mulheres. Mulheres são preparadas para serem vulneráveis e homens ensinados para controlar e ter o poder. A situação se agrava quando essas duas questões estão diretamente ligadas ao sexo, álcool e dinheiro, gerando nos homens descaso com a saúde, violência no trânsito e em casa. Ou seja, de alguma forma, o opressor também é oprimido pelo sistema que o sustenta.
Eu tinha sete anos quando minha tia foi assassinada pelo marido. Como se já não bastasse a crueldade do ato, os motivos foram os mais absurdos: samba, batom vermelho, decote, ciúmes. De acordo com a ONU Mulheres, o número de mulheres mortas caiu. Isso seria um grande passo, se o número de mulheres negras mortas não tivesse subido 54%, segundo dados de 2003 a 2013 da Organização Mundial da Saúde (OMS) do Mapa da Violência sobre homicídios entre o público feminino. No caso citado acima, o autor do crime nunca foi preso ou encontrado.
De acordo com o documentário Precisamos Falar com os Homens?, longa-metragem da mesma ONU Mulheres em parceria com o portal Papo de Homem, a maior parte da população carcerária do Brasil é composta por homens. Podemos chegar a uma reflexão de que esse dado está nitidamente ligado à cultura do machismo de uma sociedade que cria homens desde cedo para terem poder tanto no trabalho quanto na rua, em casa, no sexo e no crime.
Meninos são criados para serem fortes, meninas, para cuidarem da casa. Ao falar de mulheres, há uma cobrança por delicadeza e suporte emocional, colocando o feminino sempre em posição de vulnerabilidade, principalmente nos relacionamentos e no mercado de trabalho. Com o aumento do protagonismo feminino, alguns pontos se agravaram, pois as mulheres dobraram suas jornadas, trabalhando fora e em casa, ao passo que os homens continuaram apenas com tarefas de rua.
Desde cedo, através dos brinquedos e da educação nas escolas e familiares, estamos a todo o tempo separando tarefas de meninos e meninas, quando o correto seria não haver diferenças. Só dessa forma, estaremos construindo igualdade desde cedo.
Relatos sobre saúde emocional ainda revelam meninas reclusas e facilmente diagnosticadas com depressão, ao passo que meninos se tornam agressivos, sendo maioria nos casos apontados de mau comportamento, sem receber a ajuda necessária.
1 a cada 3 mulheres já sofreram violência por parte de homens. Grande parte dos abusadores foram abusados na infância. A maior parte das causas de mortes do sexo masculino está atrelada a saúde, acidentes no trânsito e álcool. Tudo está ligado ainda à violência. Isso porque masculinidade nunca pode estar conectada à vulnerabilidade ou à sensibilidade. Você não pode ser o “filhinho da mamãe”, não pode chorar e muito menos falar sobre seus sentimentos.
Em recente visita a uma unidade de detenção para menores infratores no Rio, pude perceber que as causas da detenção, na maioria das vezes, estava ligada à falta da figura paterna ou, no caso das meninas especificamente, por serem colocadas na linha de frente por seus parceiros.
Apesar de feminismo e machismo não serem palavras opostas, é importante destacar que o movimento de igualdade de gênero não precisaria existir se o poder masculino não fosse imposto como absoluto desde a infância. Que tipo de seres humanos estamos construindo em casa e nas escolas? Ao falar de empoderamento feminino, estamos buscando o nosso poder de decisão, de escolhas ou reproduzindo inconscientemente o tal do machismo que tanto repudiamos?