Por Guilherme Vargues*

Estima-se que sejam gastos cerca de 4,1 bilhões de Reais, entre financiamentos e investimentos, na realização da Copa do Mundo no Rio de Janeiro, deste valor quase 2,9 bilhões (1) oriundos do governo federal. O Rio de Janeiro é a segunda sede com mais investimentos, perdendo apenas para São Paulo que receberá em torno de 5,1 bilhões. Estes recursos estão distribuídos em diversas categorias de investimento, como: reforma dos aeroportos e portos, reforma do Maracanã, mobilidade urbana, segurança pública e turismo. O dinheiro público financia mais da metade dos investimentos na preparação do megaevento. Ai está o questionamento, como uma quantidade tão grande de recursos oriundos de um fundo público é utilizada sem debate, participação e transparência com a população.

A temática da participação se fortaleceu no processo de redemocratização política do início dos anos 80. Foi neste período que se começou a pensar a ideia do orçamento participativo, posto em prática com força por diversas prefeituras petistas, com destaque a Porto Alegre, no decorrer da década seguinte. As experiências participativas passaram a fazer parte do programa político da esquerda, e se confrontavam com a ideia (vigente nos anos FHC) da criação de uma comunidade solidária, onde a participação seria resolvida somente na esfera privada do terceiro setor.

Este binômio, participação x representação, foi determinante nos debates acerca do poder local, da gestão de cidades de forma democrática e progressista. Aqui no Rio de Janeiro, ao que eu saiba, nunca aconteceu. Nunca participei de nada, só recebo os dados, os valores e tenho que acreditar na boa vontade dos governantes resolverem todos os meus problemas. A lógica da participação é o inverso do individualismo clientelista, neste modelo a comunidade gere os recursos de acordo com a necessidade da coletividade e dos diversos territórios que constituem a cidade. Por fim, isto,  aqui nunca existiu. E nem nas prefeituras petistas parece existir mais.

Sem embargo, não me incomoda onde e com quem o governador seja visto jantando. Incomoda-me a total falta de transparência e horizontalidade no desenvolvimento urbano e social do Rio de Janeiro em tempos de megaeventos. Se comprovadas as denúncias de corrupção, entre o governo e empreiteira Delta, teremos uma situação política quase insustentável para o governador.

Outro problema é a intenção do governo de entregar a gestão do Maracanã (reformado com recursos públicos) para um consórcio privado, conforme noticiado em toda a imprensa, Eike Batista já aparece como o favorito para participar do processo de concessão do Maracanã.

Não fui convidado ao debate e nem você foi também, mas parece que a população ainda não percebeu, de fato, o que ocorre em nome da Copa da Fifa. Além da destruição do patrimônio histórico, que era o Maracanã, tudo se faz na pressa e às escuras em nome de nosso amor pátrio ao esporte. Mas nessa nuvem de obscurantismo grupos políticos e empresariais crescem junto com a cidade que deveria atender ao interesse de todos, e não de um grupo específico de beneficiados em prol da desordem urbana, do enriquecimento privilegiado, e da sustentação do poder político dos governantes.

Nem o mais apaixonado dos torcedores pode aceitar tal coisa. Em parte, o mundo do futebol é rodeado deste espírito oportunista, basta perceber a realidade de nossa entidade máxima do futebol, a CBF. Fifa e CBF se comportam como a família mafiosa (como disse Blatter: “somos uma família”) que se perpetua no poder devido a nossa admiração pelo futebol. Ou mudam a estrutura toda do futebol, ou nada muda. O processo que vive o Rio de Janeiro e diversas capitais do Brasil é o encontro entre dois universos nebulosos: o mundo da política tradicional e o mundo dos dirigentes esportivos, o que você pode esperar desta aliança? O Rio de Janeiro hoje é pura agitação e propaganda política, é claro que as coisas vão mudar, mas mudarão mais ao acaso do que ao planejado, porque é assim que nossos gestores pensam e realizam seus governos.

Falta uma gama de serviços para a polução mais carente, faltam hospitais e escolas, mas não falta rapidez em gastar vultoso recurso público sem levar em conta as reais demandas das populações locais, mesmo que seja preciso manter o carioca no obscurantismo e violar os direitos de diversas comunidades estabelecidas no caminho da marcha da Copa.

(1)    Dados podem ser obtidos em: http://comitepopulario.files.wordpress.com/2012/04/dossic3aa-megaeventos-e-violac3a7c3b5es-dos-direitos-humanos-no-rio-de-janeiro.pdf

Publicado em: 7/05/2012

Guilherme Vargues é sociólogo.

Texto também publicado em meu Blog na Revista Estopim.