O óleo está fervendo no caldeirão

Barroso foi o único ministro do STF a falar do discurso ontem - Foto da internet

Enquanto escrevo estas linhas o óleo ferve em Brasília, podendo derramar-se e queimar para um lado ou para outro, por causa do chamamento de Bolsonaro feito ontem, 19, em frente ao QG do Exército, em Brasília (onde só junta gente se o Exército deixar), para que os brasileiros defendam o seu país contra a “patifaria” política. Nunca estiveram tão eriçados os pelos na capital da república e fala-se que à noite houve reunião entre Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e o deputado Aguinaldo Ribeiro para botar um freio no presidente da república.

O reduzido grupo de pessoas que ouviu ontem a conclamação de Bolsonaro era formado por quem defende o capitão e seus métodos, propõe o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, um novo Ato Institucional Nº 5 e a volta da ditadura militar. Por baixo de cada camisa e no fundo de cada olhar na entrada do “Forte Apache” neste domingo havia um Flávio, um Eduardo, um Carlos, um Olavo, um Augusto Heleno, um Mourão; enfim, um saudosista de uma época que não viveu, simplesmente porque não aconteceu como a idealizam.

Bem traduziu o ministro Luiz Roberto Barroso, futuro presidente do Supremo, horas depois do discurso golpista de Bolsonaro: “Só pode desejar intervenção militar quem perdeu a fé no futuro e sonha com um passado que nunca houve”. Na bolha brasiliense em que orbitam jornalistas políticos, comentava-se a insatisfação da conclamação presidencial em parte do meio militar, quer dizer, entre os generais gemados e estrelados que sempre tiveram um coturno atrás com o capitão. É possível, é até provável, mas a insatisfação não muda os prognósticos porque quem cerca o trono hoje são os alienados por formação e ignorantes por vocação.

Para lembrar um exemplo recente, o vice-presidente Hamilton Mourão comparou a entrevista de Mandetta ao Fantástico, que motivou sua demissão, ao jogador de polo que ultrapassa a linha da bola no gramado e merece cartão vermelho. No país do futebol, o general de cavalaria cita um esporte absolutamente desconhecido de 99% da população. Ele joga polo, tem um cavalo chamado Ídolo do Rincão e sua comparação esdrúxula, antes de ato falho, indica quão distante ele e seus colegas de farda estão da realidade nacional. Na campanha eleitoral, Mourão cunhou outra analogia à João Figueiredo: “O Brasil é um cavalo que precisa de um ginete com mãos de seda”. O último general da ditadura militar – os mais velhos se lembram – preferia “o cheiro de cavalo ao cheiro de povo”.

O risco de escrever enquanto ferve o óleo no caldeirão é que todo raciocínio é ou prematuro ou defasado; ou irá acontecer ou já foi ultrapassado pela velocidade da fervura. Tudo é presunção, até mesmo para os protagonistas dos fatos. Neles, um gesto impensado, uma frase deslocada do contexto, um tuíte mal redigido pode oscilar o pêndulo da história para um lado ou outro. Nas atuais circunstâncias, torçamos para que seja para o lado menos ruim.