CRÔNICA / O Poeta e os Loucos

Poeta Thiago Rosa
O pintor Wallace Pato recitando poema. / Foto: Thiago Rosa

Em uma noite pacífica havia um poeta a declamar sentimentos passados, que em efervescência já não retornam, mas não o deixam. Noite de nuvens sombrias, como foi o dia à dias. Enquanto exalta voz de baixo da árvore à, apenas, dois ouvintes atentos na mesa, em torno dali, um comboio camuflado invadia, ruindo o silêncio que havia. Agora, toda sorte de calibres inimigos à favela. Na primeira salva de tiros, derrubaram cinco.

Naquela antiga esquina de artistas, há muito consagrada e esquecida, o poeta desolado e insistente provava de sua solidão inevitável. O incontestável destino de todo poeta. As épocas eram duras, as esperanças escassas. No bar havia casais, um homem vendendo flores para casais, uma música quase inaudível que embalava os sonhos dos casais, já em torno dali, casas sofriam a entrada de sombras intrusas, cometas ensurdecedores riscavam o céu e hélices de ventoinhas gigantes a soprar. Tudo sinalizava fogo e medo.

Mas, muitos ali se perguntavam, que expressões recitadas eram aquelas, mediante o embaraço de não conhecê-las. Outros, o que pretendia com indagações de tanta mágoa, revolta, saudade, como quem pudesse retomar a pessoa amada, evocando-a. E, como quem acreditasse, apesar de tudo, que havia comoção ali contida a ser assimilada por mentes tão exaustas, descrentes e rudes, num lance teve a atenção, subiu a cadeira e pôs-se à mesa. No entanto em torno dali, uns eram revistados outros atirados no carro, seriam levados, iriam sumir. Ainda outros, a mira iria carne e sangue assimilar, antes de se assentar, fincada em alguma parede.

Foi quando uma senhorinha muito escondida surgiu, apareceu por trás do poste, o vento ali já era forte, estendeu o braço, sorriu. E, como o poeta a fez subir, ela deu-lhe um beijo no rosto. Diriam, que ela parecia beijar as palavras. Diriam que ela estava tão bêbada quanto aquele que da vida reclamava. Caía em prantos, chovia.

Em torno dali, lágrimas concorriam com as rajadas de água, que vinham e espalhavam o rastro das poças deixado. As manchas no solo escoavam se desfaziam, como pudessem limpar o asfalto. Não podiam. E deixavam as dores expostas, como pudessem deixá-las à abutres.

Ao passo que as pessoas, ou corriam para dentro do bar, ou se adiantavam para outro lugar, de modo que o poeta, o profeta, dizia que o povo deveria em fim se levantar, lutar, exigir. Então, antes mesmo e não por menos, debocharam, acharam-lhe louco.

Mas eu que tudo observava discreto, do subúrbio da cidade, via lamentarem do mais recente bombardeio no oriente médio, de Israel à Síria, que passava na teve. Via assustarem-se, comovidos. E contavam das bases que cercavam Damasco, e contavam dos mortos, das mães e dos corpos não recolhidos. Indignados. Via também ignorarem breves imagens aéreas em torno dali.

Por fim, num avulso deslocado ouvi, era um homem de idade avançada que dava as costas e reclamava:

— Acho que, realmente, deveriam se calar todos e só se deixar aos poetas, ouvir!