A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, em declaração no dia 2 de janeiro, um dia após a posse de Jair Bolsonaro, disse que, no novo Governo “menina será princesa e menino será príncipe”, em referência ao que ela chama de “doutrinação ideológica” sobre a concepção de gênero. Mas por que a fala da ministra é tão perigosa?
Desde a infância, as meninas são ensinadas a cuidar da casa, dos filhos e, ainda que de forma sutil, a ter a necessidade de casar. Mesmo com a ascensão da mulher no mercado de trabalho e com sua consequente (cada vez mais visível) independência, mas ainda são inúmeras as formas de apologia e imposição do comportamento que uma garota “deve ter”, feita pelo mercado, mas, principalmente, pela sociedade. São bonecas que choram e usam rosa, miniaturas de utensílios domésticos cor-de-rosa, filmes que estimulam a dependência emocional da mulher quanto àquele que deve ser o homem/ marido na vida de uma moça e etc. Tudo isso provoca uma ideia distorcida do que é feminilidade e causa nas meninas a ilusão da princesa frágil e dependente financeira e emocionalmente de um príncipe. Essa ideologia assombra a população feminina desde muito e vem sendo reforçada pelo cristianismo, que também prega que o papel da mulher é “edificar seu lar”.
Em contrapartida, os meninos sempre foram treinados para a independência sentimental. Desde cedo, os garotos são ensinados a não demonstrar fragilidade e, se choram ou chamam a mãe quando estão encrencados, são vistos como “maricas” – o que é um problema no mundo frágil da heterossexualidade masculina – e, por isso, crescem achando que não devem precisar de alguém (a menos que seja para aliviar suas “necessidades”) ou expor seus sentimentos a nenhuma mulher. A consequência disso é um desrespeito por parte de muitos homens em relação às mulheres, tanto emocionalmente quanto fisicamente. Não são poucas as figuras masculinas que, além da ideia de propriedade sobre garotas, ainda reforçam o padrão social do feminino, como o típico poema do próprio Vinícius de Moraes, que coloca a imagem do comportamento e do corpo que uma “mulher de verdade” deve apresentar. O nome da obra? Receita de mulher:
Que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República Popular Chinesa.
Não há meio-termo possível. É preciso
Que tudo isso seja belo. É preciso que súbito
Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche
No olhar dos homens. É preciso, é absolutamente preciso
Que seja tudo belo e inesperado.
Mas e o resultado disso tudo? A cada duas horas, uma princesa é morta no Brasil. Em 2017, 946 princesas foram vítimas de feminicídio, ou seja, foram mortas só por serem mulheres. A cada 11 minutos, um príncipe estupra uma princesa. A cada 7,2 segundos, um príncipe bate numa princesa. 2 a cada 3 princesas universitárias já disseram ter sofrido algum tipo de violência (sexual, psicológica, moral ou física) por parte de algum príncipe no ambiente universitário. Esses dados deixam claro que, se para o atual Governo, a ideologia de gênero é um perigo, é a ideologia de príncipe e princesa que mata.
Matéria exibida no jornal A Voz da Favela, edição fevereiro de 2019.