O clima era de consternação na sala de imprensa: na noite de domingo, informações desencontradas davam a entender que colegas de profissão haviam sido atropelados por um carro alegórico desgovernado no primeiro desfile das Escolas de Samba do Grupo Especial do Rio. Seis dos oito feridos mais graves eram jornalistas, fotógrafos, assessores. Seis destas pessoas estão não apenas sofrendo com a dor física das escoriações e fraturas, mas também são vítimas de um sistema que ninguém sabe lá como funciona.
A Liga da Escolas de Samba (Liesa) é controlada por gente poderosa e movimenta muito dinheiro todos os anos. A Prefeitura do Rio, nos áureos tempos do folião Eduardo Paes, repassou R$ 24 milhões para as 12 agremiações do Grupo Especial em 2016. Os polêmicos enredos patrocinados também ganharam força na avenida durante a última década. Mas a crise econômica mudou o quadro de pujança: o orçamento 2017 das escolas foi reduzido em cerca de 40% e as empresas patrocinadoras desaapareceram, conforme afirmado pelo presidente Jorge Castanheira em matéria publicada no Valor Econômico em 15/02/2017.
Quase 50 mil pessoas e 60 carros alegóricos passam pela Marquês de Sapucaí todos os anos só no Grupo Especial. Este é um mercado que alimenta e muito a economia da cultura no Rio, principalmente das favelas da região metropolitana, já que grande parte dos artesãos são oriundos destas mesmas áreas. Entretanto, também é sabido o quanto estes trabalhadores são, num geral, mal remunerados, submetidos a longas jornadas e à ausência das devidas condições de trabalho. A criação da Cidade do Samba eliminou as muitas precariedades estruturais dos velhos barracões, mas aparentemente não foi capaz de mudar o resto do sistema, que é muito maior do que isso, claro.
Também não existe padronização nas especificações técnicas dos carros alegóricos, por exemplo – muitos deles só saem do lugar, literalmente, no braço, já que nem todos funcionam a motor. Os trabalhadores criam maravilhas com conhecimento técnico que vem de berço, não de uma formação exata. Colocar um mínimo de regras não necessariamente tiraria a espontaneidade do esforço criativo destes artistas, mas poderia oferecer segurança não só na Sapucaí, mas a eles mesmos.
Além de toda a problemática geral do carnaval da Liesa, a grande questão é: no mesmo ano em que se fala de redução de custos, dois acidentes com vítimas acontecem na avenida, envolvendo as escolas Unidos da Tijuca e Paraíso do Tuiuti. O poder público tem fechado os olhos para o que acontece nos barracões, nas quadras e também nos escritórios escusos que trazem o dinheiro ninguém sabe de onde. Enquanto o carnaval gera oportunidades e renda para muitos moradores de favela e para a cidade, falta fiscalização por parte da Prefeitura, dos demais órgãos competentes e da própria Liesa para melhorar os seus próprios processos.
Agora, as quase 30 pessoas feridas nos acidentes de domingo e segunda pagam a conta daquilo que a baiana tem: um desinteresse total em abrir esta caixa preta.