Eva e a serpente: duas figuras que carregam o peso de nossa imaginação coletiva, moldando séculos de narrativas sobre culpa, destino e poder. A história que nos contaram sobre essas duas é, ao mesmo tempo, a história do controle sobre o corpo e a mente da mulher – uma história de tentativa de apagamento e domesticação.
Eva foi apresentada como um complemento. Não como uma mulher autônoma, mas como uma sombra do homem. Criada para existir em função de outro, para agradar, obedecer e ser companhia. E a serpente? A serpente foi a quebra do silêncio, o convite ao despertar.
Quando penso em Eva mordendo o fruto, vejo coragem. Coragem de se arriscar. De querer saber mais. De querer mais. A narrativa dominante tentou transformar esse gesto em pecado, erro, fonte de sofrimento – mas, na verdade, foi um ato de resistência.
O fruto proibido é o conhecimento. E o conhecimento é uma ameaça à ordem que busca manter as mulheres em papéis fixos, sem voz, limitadas por um destino pré-determinado. Eva enxergou além dos muros do jardim. Ela viu um mundo que poderia ser maior, mais amplo, mais livre – longe de olhares vigilantes, imposições sociais e expectativas silenciosas. Mas qual foi o preço? Ser punida, culpabilizada, marcada como a origem de todo o mal.
Essa narrativa não terminou no Éden. Ela vive em cada mulher que ousa desafiar o que foi imposto. Em cada mulher que diz “não” ao controle e “sim” à liberdade. Em cada mulher que carrega a culpa de um destino que não escolheu. Mas também vive na força de quem resiste. Na força de quem se recusa a carregar memórias impostas como fardos. Na força de quem olha para o próprio reflexo e diz: “eu sou mais”.
Ao longo da história, fomos ensinadas a temer a serpente. Mas e se a serpente for nossa aliada? Criminalizada e condenada a rastejar, ela carrega a herança de ser temida e detestada. E se, na verdade, a serpente for o símbolo do despertar, da possibilidade de criar nossas próprias narrativas? Não precisamos mais carregar o peso de um paraíso perdido. Podemos construir o nosso jardim – um lugar onde podemos existir como somos, sem culpa, sem limites, sem medo.
O que ainda nos prende? Quais pactos nos limitam? E, mais importante, o que estamos dispostas a fazer para nos libertar? Talvez a liberdade exija um preço, mas o custo de não agir pode ser ainda maior. Escolher o conhecimento e a coragem de trilhar nossos próprios caminhos é a resposta que ecoa em nós.