É muito comum ver planos dos governos – em todas as suas esferas – para as favelas e o seu entorno. Blindar as escolas próximas a elas é um desses planos. Há quem concorde com tal medida compulsória e há aqueles que enxergam que tal questão vai muito além de uma simples blindagem de muros.
Há muito tempo me pergunto: por que não ouvem o que o favelado tem a dizer? E não apenas sobre conflitos entre polícia e bandido, mas sobre toda a onda de violência vinda com os anos de abandono e desprezo. Quando essas pessoas, que nós colocamos no poder, vão entender que temos muitas coisas para dizer? Nós temos toda a propriedade para dizer o que é melhor para a vivência no nosso espaço. Mas sempre aparecem pessoas de fora para dizer como a favela tem que ser ou como favelado tem que se portar, como se fôssemos animais que precisassem de adestramento ou incompetentes o suficiente para não saber apontar as nossas próprias necessidades.
O que mais me intriga é que tem gente dentro da própria favela, que graças a esta e à própria condição de favelado tornou-se alguém de destaque até mesmo em outros países, e hoje ainda é capaz de dizer que favelado, quando se junta, não é capaz de dizer o que pensa ou o que quer para o bem da comunidade. Isso me choca, porque é o mesmo que compactuar com a ideia de que um grupo diminuto é capaz de uniformizar as ideias e vontades de milhares de pessoas sem mesmo escutá-las.
Ouvir esse tipo de coisa me levou a um texto muito importante que li na graduação de História. A passagem da leitura que mais me marcou falava do contexto dos ideais democráticos na metade do século XIX, de Esteban Echeverría, um pensador liberal latino-americano:
“Os ignorantes, que não podem distinguir o bem do mal, devem submeter-se aos que têm o domínio das luzes; e os vagabundos e aqueles que não têm ofício não podem fazer parte da soberania do povo, porque não têm qualquer interesse ligado à sociedade, necessitando, portanto, de tutela.”
A diferença entre o pensador e aquele favelado que ainda hoje reproduz esse discurso são apenas os anos que os distanciam. A ideia de que todo mundo aqui é ignorante e não pode externar suas aflições nos coloca como pessoas que precisam da ajuda de determinado grupo para que alguma reinvidicação – mesmo que não represente o desejo da maioria – seja atendida.
É necessário nos manter vigilantes diante de tal postura porque isso fragiliza todos, inclusive o próprio favelado que adota o discurso hegemônico, isto é, o discurso das elites. Eu acredito no ideal democrático que afirma que todos podem e devem ter voz e merecem ser escutados e atendidos por aqueles que estão lá para nos representar. De novo, fica o apelo: escutem o que a favela tem a dizer. Nós sabemos do que a favela precisa. Nós por nós.