A principal consequência da divulgação do conteúdo da reunião do ministério gravada em 22 de abril passado não diz respeito diretamente ao presidente da república, mas como noticiou a imprensa discretamente “aumentou o preço do Centrão”, o que significa mais cargos, dinheiro e poder para formar a base parlamentar e evitar a aprovação de processo de impeachment.
A matemática é simples: cada diretoria de estatal vale um punhado de votos, dependendo do poder de barganha, como, por exemplo, o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca, para lembrar um dos mais antigos penduricalhos da burocracia brasileira, talvez mais antigo até do que as grandes secas históricas do primeiro quarto do século passado.
O DNOCS tem verba e, além dela, chefias espalhadas pelo Nordeste que rendem prestígio, favores e votos que elegem representantes estaduais e federais. Estes impedirão qualquer iniciativa para afastar o presidente que tão generosamente pôs seus padrinhos e afilhados na estrutura do governo.
Assim sempre funcionou e, ao que parece, vai funcionar também com o cara que se elegeu prometendo acabar com a política velha do “toma lá, dá cá”. Nada original, diga-se, se lembrarmos da vassoura de Jânio Quadros que ia varrer a corrupção do país, em 1960, ou de Fernando Collor que ia caçar os marajás em 1989 já com o slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, ou vice-versa, não faz muita diferença, ninguém se lembra mesmo.
A questão de Jair Bolsonaro, o caso de hoje, é que ele tem o estranho costume de brigar em várias frentes ao mesmo tempo e não sobra tempo para se dedicar bem a nenhuma em especial. A briga com Sérgio Moro rendeu a briga no Supremo, que se desdobrou na Polícia Federal, que respinga em alguns ministros com a reunião gravada de 22 de abril, que volta ao Supremo como xingamento aos juízes e que volta à polícia na investigação sobre as ligações dos filhos dele com a milícia no Rio de Janeiro.
Isto é em uma ou duas frentes apenas, porque ainda tem a da retomada da economia sem isolamento social, que vai contra a comunidade da saúde, congressistas, a academia, a Organização Mundial de Saúde, as Nações Unidas e até a China. Sim, porque Bolsonaro está convencido de que a coronavírus foi espalhado pelos chineses para dominar a economia mundial; um plano comunista dos amarelos.
Além disso, Paulo Guedes o convenceu de que se deixar de lado os cuidados recomendados pela OMS o Brasil retomará o desenvolvimento econômico e dará uma lição ao mundo de como se sai de uma crise. A volta do crescimento, ou crescimento em V, como define o mago da economia, fará do país um case de sucesso invejável e copiável por todos quantos desejarem igual fortuna. Mas aí será tarde porque o Brasil estará muito adiante de tudo e de todos. Grande Paulo Guedes, ninguém pensou nisso!
Ao contrário das crises históricas de 1954, 1964, 2015, a atual tem uma raiz ideológica mais difusa, digamos assim. Não tem o “mar de lama” getulista, a ameaça comunista de Jango nem a corrupção de Dilma: repete os chavões de ontem sem muita convicção e já atendeu ao anseio maior do capital, que era tirar o povo brasileiro do rumo certo, de algumas políticas compensatórias e do acesso ao consumo básico. Bolsonaro é o coroamento do projeto iniciado com o afastamento de Dilma, a transição com Temer e a eleição fraudulenta de 2018.
A questão hoje é que ele não foi a melhor escolha e a pandemia do coronavírus, Covid-19, SARS-CoV-2, novo coronavírus ou que outros nomes deem deitou tudo a perder não só em nível nacional, mas global, é uma crise inédita que atinge em cheio, neste momento, os Estados Unidos, sua economia e a política errática de Donald Trump. Bolsonaro quer ser o Trump do sul, mas falta-lhe desde a compreensão do papel até a competência mínima para a função.
Todo mundo em volta do poder, na economia e na política, já percebeu que Bolsonaro acabou, como apregoou o estudante haitiano em Brasília no vídeo que viralizou tempos atrás. O problema é como se livrar dele sem sujar as mãos. Um autogolpe ainda soa improvável nas circunstâncias descritas, um golpe militar poderia ser pior do que o soneto, a renúncia só aconteceria se fosse trocada pelo fim das investigações sobre seus filhos e uma espécie de anistia.
Defensores desta saída dizem que deu certo com Bóris Yeltsin na Rússia, mas tinha muita vodca no lance, e aqui o bolsonarismo só se embriaga de poder. Há quem diga que vai tudo acabar em pizza, há quem pense que Bolsonaro está perdido depois da denúncia do Moro, há quem julgue prematura e arriscada toda previsão que se faça. Estou nesse grupo, e você?