O que Gisele está fazendo aqui?

 

A motivação de Bolsonaro na questão da compra e posse de armas é de dois níveis, um pessoal e outro funcional, por assim dizer. No primeiro está a carreira militar que lhe deu régua e compasso e o transformou de indisciplinado na década de 1980 em paradigma do exército, exaltado pelo ex-comandante Eduardo Villas Boas, no discurso em que festejou o resgate militar do poder civil pelo voto. O segundo nível é a intenção de armar a população contra forças do mal que ameaçam o futuro da nação. E se isto trouxer grandes lucros para a indústria e o comércio de armas e munições tanto melhor: matam-se dois coelhos com uma só bala.

Os dois níveis da motivação se embalam no funk de uma nota só da segurança pública, principal responsável pelo êxito eleitoral, juntamente com Steve Bannon, inventor de Donald Trump na política americana. Se compararmos Trump e Bolsonaro, não acharemos muita semelhança, mas ambos desenvolveram habilidades idênticas de espalhar “fake news” via tuíter e “comunicar-se” diretamente com seu público pelo mesmo canal. Com Trump, os Estados Unidos tentam reviver o “American Dream”, sonho de felicidade interditado, na versão atual, a estrangeiros. Com Bolsonaro, o Brasil retoma a sina de colônia, e o elogio do general transpareceu inveja e orgulho da imagem de Bolsonaro em continência na visita a Miami, em setembro do ano passado. Numa simples imagem, o capitão representou todos os oficiais de mais alta patente brasileiros.

A motivação de Bolsonaro com relação às armas não acrescenta ao debate tanto quanto o desvia do rumo. O decreto não significa a matança generalizada, mas não ajuda em nada a busca de um modelo desejável de segurança pública. Como já acontece, o cidadão terá de se cadastrar para adquirir armas, mas assumirá a responsabilidade pelos dados, a polícia não será mais obrigada a conferi-las. A posse de armas não dará o direito de desfilar com elas na cinta e mesmo em casa, havendo crianças ou portadores de deficiência mental, o responsável deverá manter lugar seguro onde guardá-las, como um cofre.

Até aqui tudo compatível com os regulamentos que se veem em países como os Estados Unidos, de onde vem a in$piração da nossa mudança. Sinceramente, o que me preocupa é que o Brasil não apresenta níveis de violência que justifiquem armar a população como legítima defesa, tanto que o novo decreto estipulou em 10 por 100.000 habitantes o número mínimo de homicídios para abrangência da nova lei, o que cobre o país inteiro. Vivemos mesmo é uma guerra civil não declarada em que o estado abriu mão do monopólio da força e encoraja, incentiva e aplaude milícias e polícias nas execuções extrajudiciais de populações periféricas, sobretudo negras e mestiças à margem da sociedade escravagista e desigual.

Aqui está o ponto de convergência, a coincidência de propósitos da era inaugurada por Donald Trump: a higienização da população em nome do modelo excludente. Os super ultra mega ricos do mundo discutem há algum tempo onde viverão os sobreviventes do que chamam de “evento”. Enquanto nos engalfinhamos por uma vida miserável, o capital estuda limites para a inteligência artificial e para as 10 megacorporações que abastecem o planeta de tudo do que necessita. Nunca o dinheiro mandou tanto, o império de Mamon resplandece.

Neste contexto, soa prosaica a preocupação ambientalista com a Amazônia, o Aquífero Guarani, as calotas polares. Como Bolsonaro, mas por outras razões, Trump está se lixando para tudo isto. O futuro não será para sete bilhões de seres humanos, os robôs humanoides estão entre nós, nos telefones, veículos, indústrias e até apresentando telejornal na China. A discussão é que nível de conhecimento será implantado neles. Parece ficção cientifica? Digite 1 se concorda, digite 2 se discorda.

Referindo-se a Bolsonaro, meio brincando, meio a sério, o presidente americano falou há dias: “Dizem que ele é o Trump da América do Sul”, que pode ser traduzido como “É o nosso homem abaixo do equador. Vamos deixar eles se matarem por lá, depois a gente vê o que se aproveita”. Cá embaixo na escala do desenvolvimento humano seguimos discutindo se turistas vão a hotéis-fazendas transar com as cabritas, se aquecimento global é coisa de comunista, se a Terra gira ou não em torno do sol e se a Gisele Bundchen é uma má brasileira ou apenas uma brasileira boa.