Homens
Pretos afetos - Crédito: Gabriel do Santos Lima

Preocupados com as contas a pagar, em manter o emprego, colocar comida na mesa, os homens que ainda carregam consigo a obrigação e o anseio de serem provedores, muitas vezes não abrem espaço para vivenciar momentos afetivos e expressá-los aos que estão em sua volta. 

Pretos afetos – Crédito: Gabriel do Santos Lima

De acordo com pesquisas do Ministério da Saúde, esse processo é ainda mais evidenciado com pessoas em vulnerabilidade social, que moram em territórios periféricos e vivenciam a experiência do racismo cotidianamente. Dados mostram que os negros apresentam maiores índices de estresse crônico e que todo esse aparato de opressão vivenciado, principalmente por aqueles que residem em favelas, desestruturam a mente e os bloqueiam para lidar com suas emoções.

Contaremos aqui duas histórias de homens que…

após muitas lutas e descobertas, através do cuidado e do afeto encontraram a saída de um labirinto em que estavam vivendo e, hoje, conseguem viver um dia de cada vez e manterem o bem-estar.  

Flávio Ribeiro da Silva, 43 anos, morador do Morro da Providência, na cidade do Rio de Janeiro, professor de capoeira, tem em sua história a marca do medo, de viver uma vida em constante vigilância, por ter estado ligado ao tráfico de drogas. Um contexto social de conflitos, que abalou sua saúde mental.

Mas teve melhora e reestabelecimento por meio de processos de autoanálise, informação e amor. “Morar na periferia não é fácil, a realidade diária nos endurece muito, o que quase sempre nos leva a não demonstrar nossos sentimentos. Ou, em muitos casos, só demonstrá-los em momentos de briga”, descreve Flávio.

Sua história mostra que existe saída…

mesmo quando estamos “na pior”. Flávio contou que a proximidade com a morte, quando esteve envolvido com o tráfico, e a possibilidade de nunca mais ver as filhas, o fez repensar sua vida e buscar apoio para sair daquela situação.  “O afeto está dentro de nós, pois precisamos uns dos outros. Quando entendemos isso, o caminho torna-se mais fácil”, contou o professor. 

Renan Nery dos Santos Oliveira, 28 anos, morador de Jardim Camargo Novo, na Zona Leste de São Paulo, é auxiliar de prevenção de perdas e fundador do projeto I Love Kebrada.  Com o falecimento de seu pai, ainda muito pequeno, perdeu toda sua referência, o que o fez ter muitas dificuldades em lidar com  seus sentimentos, provocando diversos momentos de desespero e gatilhos suicidas, sendo o primeiro com apenas 12 anos.

“Eu fui criado por uma mãe e um padrasto que tinham que alimentar seis bocas, e com isso não sobrava tempo para receber muito carinho. Aprendi nas ruas a não chorar ou demonstrar qualquer sinal de fraqueza, pois o machismo é a maior prisão mental da sociedade periférica, junto com o racismo. Cresci vendo todas as dificuldades da minha casa e tendo que me preocupar com seguranças me seguindo no mercado e policiais me abordando na rua, o que também me abalou muito”, revelou Renan.

Um processo que, segundo ele, durou 10 anos, com outras duas tentativas de suicídios e uso de drogas, e que só começou a mudar quando se tornou pai e todo aquele desamor findou. “Hoje vivo um dia de cada vez, consigo organizar meus pensamentos para viver melhor”, completou. Devido ao alcoolismo exagerado e o uso intensivo de drogas, Renan também precisou passar por um acompanhamento médico. Contudo, quando decidiu sorrir para o mundo, este também lhe sorriu.

As histórias aqui contadas são mesmo para inspirar pessoas que estão em algum processo difícil e talvez não vejam luz nesse momento. Mas, é preciso mostrar que a ajuda existe, que viver em favela é sim um ato de resistência, mas que a vida vale a pena.

Matéria publicada originalmente no jornal A Voz da Favela edição (setembro/2021)

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