Morro do Juramento, Zona Norte do Rio, sexta-feira, 15 de agosto: um intenso confronto entre facções trava uma tarde de pânico e desespero bem próximo à estação do metrô Vicente de Carvalho. Pessoas se jogam no chão para se proteger. A sensação é de extrema insegurança. Os confrontos duram toda a tarde e chegam até a madrugada do sábado, deixando um saldo oficial de sete mortos divulgado pela grande mídia – mas sabemos que houve mais, como sempre.
No mesmo dia, do outro lado da cidade, começava um mega evento na Barra da Tijuca, área nobre do Rio. Ali havia alegria, euforia e muita utopia causada pelo misto de adrenalina, ritmos e altos decibéis, afinal de contas, o show não pode parar.
O dia passa no sábado e, nas favelas da Zona Oeste, explode também uma guerra entre milicianos e traficantes pela retomada de territórios. É mais um dia de derramamento de sangue. São comunidades distantes dos olhares daqueles que vieram gritar para os seus artistas favoritos – na periferia, os gritos eram de socorro.
Chega o domingo, lindo, com céu azul, praias cheias e mais de 100 mil pessoas pensando em mais um dia do grande evento que viriam a aproveitar. Mas, na Rocinha, a maior favela da América Latina, encravada na Zona Sul da cidade, um golpe de estado – termo usado na linguagem do morro para uma traição – levou pânico e terror para os moradores. Uma disputa travada agora dentro de uma mesma facção pelo território mais lucrativo na venda de drogas do Brasil resultou numa invasão cinematográfica e promoveu o caos total em pleno domingo. Os domingos são os dias em que as favelas concentram maior movimento. É o dia da feira, do descanso para os que trabalham durante a semana e que reservam justamente esse momento para seus afazeres de casa.
O fato de a Rocinha ficar próxima a áreas de grande poder econômico, como Gávea, Ipanema, Leblon e Barra, fez com que a imprensa desviasse um pouco os olhares do grande evento. Carros metralhados, casas perfuradas, falta de energia por transformadores destruídos, ruas vazias e moradores acuados no chão dos seus barracos – novamente, vimos mais derramamento de sangue e corpos no saldo dessa guerra insana que a política de segurança fecha os olhos para não enxergar. A imagem dos policiais ignorando a passagem do bonde pesado foi o que mais repercutiu nas redes.
Diante de todo esse cenário, a poucos quilômetros dali, a massa sonora que causava a histeria geral não deixava o público ouvir os pedidos de ajuda dos moradores da Rocinha, muito menos os do Juramento. O Rio tem que ser resetado, passado a limpo imediatamente, cortar na carne dos governantes corruptos que surrupiaram o nosso Estado. Hoje, o reflexo está aí.
Será esse o tal legado olímpico deixado para todos nós?