“Desculpa, senhora, mas…”. Uma frase e o que seria mais um assalto ganhou um tom novo. Um ladrão que pede desculpas. Um ladrão que não parecia querer fazer aquilo. Um ladrão. Um menino.
Na semana passada, eu fui mais uma vítima da violência do Rio. Sofri um assalto dentro de um ônibus da linha 680. De todas as modalidades de assaltos e furtos que já havia sofrido, essa era inédita até então. O ineditismo ficou também na abordagem dos ladrões: uma calma difícil de se ver em situações como essa.
Eram três, dispostos a fazer um ganho em um micro-ônibus com apenas seis mulheres. Eram 18h30. Éramos todas trabalhadoras, voltando pra casa depois de um dia difícil. Era um calor terrível naquela caixa de metal sobre rodas. Agiram de maneira calma e calculada. E quando foram embora, eu chorei. Chorei não só de raiva pelo aparelho de telefone perdido, um sonho de anos comprado à prestação e com sacrifício. Chorei porque aquela frase ali em cima ficou ecoando na minha cabeça.
Quem me roubou foi um garoto – sem camisa, chinelo, bermuda e muito suado. Não muito diferente dos que jogam bola na frente da minha casa. Não muito diferente dos que vi crescer na Baixada ou aqui no subúrbio. Não muito diferente dos que passam todos os anos pelos projetos em que trabalho. Não muito diferente, mas totalmente diferente. Ele olhei bem pra cara dele, e os olhos enevoados me transmitiram um grande desconforto. Argumentei que aquele era um instrumento de trabalho. E ele pediu desculpas, “mas…” – o serviço precisava ser feito, afinal.
Talvez, ele nem tenha pensado nisso, mas aquele garoto que me fez chorar se desculpou por ser uma pessoa que escolheu o “mas” da vida. Vida, liberdade, sonhos – tudo isso vale um iPhone? Um tênis? Um boné de marca? Que mundo é esse em que uma pessoa só existe se possui recursos para consumir? Quando foi que deixamos de ser humanos para nos tornar apenas uma mercadoria ordinária?
Falamos o tempo inteiro sobre os problemas da justiça brasileira. Bradamos que nossas leis não funcionam, que a impunidade reina, mas as cadeias estão lá, lotadas. Não está claro que este modelo não funciona? Que cadeia não impede que, pra cada presidiário, nasçam 30 crianças que crescem sem lar, sem pai nem mãe ou mesmo sem um chinelo para usar em dias quentes? Questionamos o problema sem pensar na raiz dele. E o cerne de tudo isso é, sim, o dinheiro, a propriedade e tudo aquilo que faz parte de um sistema do qual somos cativos.
Meu celular se foi. Não sei quanto tempo ainda dura a existência de quem o levou.