O ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, confirmou na semana passada no Senado o que já se disse e escreveu sobre sua maneira de ver o cenário e o contexto nacional diante da pandemia dos novos coronavírus (sim, surge praticamente uma nova cepa por semana). Ele tem o raciocínio militar e enxerga a pandemia como o inimigo a ser enfrentado na guerra que ele próprio conduz do alto do seu posto de general comandante da saúde brasileira. Mas a pandemia não é uma guerra e o vírus não é um inimigo armado para nos derrotar. Não estamos bombardeando alemães nazistas e nem pensamos nisto, na verdade.
É coisa da cabeça de general que vê comunista embaixo da cama; o que o país enfrenta já há um ano é uma doença que se alastra graças essencialmente à inoperância do governo na área da saúde pública, e essa inoperância resulta, em boa parte, da visão distorcida da academia militar cuja última guerra foi a do Paraguai, nos anos 1880. A chamada “guerra contra o inimigo interno” na ditadura foram massacres de civis pelas forças armadas “soi disant” salvadoras da pátria das mãos dos comunistas comedores de criancinhas.
Na audiência no Senado, o general não satisfez a curiosidade dos arguidores, sequer defendeu a si próprio e ao chefe, ambos duramente responsabilizados pela tragédia amazonense em que muita gente morreu por asfixia à falta de oxigênio que deveria ser provido pelo governo federal. Bem que tentou sair pela tangente ao culpar hospitais e dificuldades técnicas pela crise no estado e dizer que não cabem ao ministério medidas de fornecimento de oxigênio:
“O Ministério da Saúde não tem qualquer competência para transporte e distribuição e oxigênio”, lavou as mãos sem qualquer pudor diante de senadores da Região Norte que se mostravam cada vez mais propensos a apoiar a CPI da Covid, hoje com assinaturas mais que suficientes (31) para ser instalada. É importante destacar que nos dez primeiros dias deste mês morreram 448 manauaras internados, contra 270 no mesmo período de janeiro. E o general ainda garantiu a vacinação total do país até o fim do ano. Muitos cientistas anteveem o não atingimento da meta e, pior, a pandemia mais espalhada e forte no segundo semestre.
Diante disso tudo, fracassou o comparecimento de Pazuello à audiência – tentativa do governo de esvaziar o movimento pró CPI. O despreparo do general foi também decisivo neste sentido, sobretudo quando meteu a Alemanha e a segunda guerra mundial na conversa:
“Queria fazer o meu alerta: a Alemanha perdeu a guerra duas vezes porque ela abriu a frente russa. Duas vezes: na 1ª Guerra Mundial e na 2ª Guerra. Todo mundo avisou ao ditador que não deveria abrir a frente russa. Duas frentes não tem como manter. Temos uma guerra contra a Covid, a guerra é contra a Covid. Ela é técnica, de saúde. Ela não é política. Se abrir a segunda a frente, política e técnica, vai apertar. Nesse momento nós temos que focar no técnico. Se entrarmos com uma nova frente nessa guerra, que é a frente política, vamos ficar fixados”, ensinou o estrategista da saúde, e prosseguiu:
“Se nós fixarmos a tropa que está no combate, será mais difícil vencer a guerra. Então peço a todos os senadores que compreendam exatamente o que eu falei. Posições técnicas são discutidas abertamente, planejadas e executadas. É difícil separar política dentro do Congresso. O Congresso é político. Mas nós temos um inimigo em comum, que é o coronavírus, que é a Covid-19.” Inimigo, tropa, frente russa…senadores e repórteres se entreolharam, incrédulos, sobretudo quando disse “todo mundo avisou ao ditador”. Eu, ein, vira essa boca pro mar, general! “Vade retro”!
Ao fim da audiência, muitos senadores, inclusive na base governista no Norte do país, em contato permanente com a tragédia de Manaus e do Amazonas, não esconderam a decepção com o desempenho ministerial. Mas, cá pra nós, a expressão alvar do ministro não dá muita margem a imaginar outro tipo de entendimento do que acontece. Afinal, trata-se de um militar como o capitão e centenas de outros infiltrados no governo. Só para lembrar, até sexta à noite foram vacinados 2,4% do povo brasileiro, uma soma ridícula diante dos mais de 200 milhões de habitantes, e caminhamos para 250 mil mortos e 10 milhões de infectados. Exagero? Espere só um pouco. Não queiramos deste governo profundidade de análise nem diagnóstico preciso na área da saúde pública. Nada está além do nível do presidente que manda a imprensa meter lata de leite condensado no rabo e dá uma banana para a opinião pública.