A Vila Cultural Cobra Coral, ocupação que se mantém há mais de 40 anos na Quadra 813 da L4 Sul, em Brasília, está ameaçada de remoção pelo Governo do Distrito Federal (GDF) com base em ações da Promotoria de Defesa do Meio Ambiente (Prodema). A área é ocupada por mais de cem famílias e foi reconhecida esse ano pelo Plano Diretor de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB) por preservar importantes tradições culturais da cidade. A vila foi incluída no PPCUB como área de estudo para valorização enquanto patrimônio cultural imaterial do Distrito Federal-DF, conforme regulamentado pela Lei Complementar 1.041/2024.
Na última segunda-feira (16) um fato novo trouxe esperança para a comunidade: a Defensoria Pública do DF protocolou junto à Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do Distrito Federal uma Ação Civil Pública , com pedido de tutela provisória de urgência em defesa da comunidade local da vila (processo nº 0722264-07.2024.8.07.0018). O órgão presta assistência jurídica à comunidade da vila desde 2019, através de atendimentos presenciais e remotos no Setor Comercial Norte, Quadra 01, Lote G, Ed. Rosso Esplanada Business ou pelo telefone 61-99359-0080.
A Defensora Pública Amanda Fernandes, Chefe do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do DF apresentou os argumentos para sustentar a ação: decisão do STF na ADPF 828, o encaminhamento à Comissão Regional de Soluções Fundiárias do TJDFT, a busca de soluções conciliatórias, a preservação do patrimônio cultural, a proteção de locais de culto religioso e a regularidade do Parque Ecológico da Asa Sul. “Aguardamos a apreciação pelo juízo da Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF sobre os pedidos de urgência diante da iminência de execução da operação demolitória, prevista para dia 14 de janeiro. A Defensoria reforça a importância de seguir os princípios legais e de direitos humanos, promovendo o diálogo e a busca por soluções justas e equilibradas”, declarou.
A história da Vila
Com raízes históricas vinculadas à construção de Brasília, a vila serviu de abrigo para os candangos vindos de todos os estados do país. Na década de 1970, a vila consolidou-se como um centro cultural, palco de expressões populares que preservam e promovem tradições brasileiras e cerratenses, abrigando iniciativas como o Centro Espírita Pai Joaquim de Aruanda, o grupo o Fuá do Seu Estrelo do Terreiro, além do Espaço Cirque Inventado, do Projeto Waldir Azevedo e da Casa da Árvore. As entidades oferecem espaços para práticas culturais e religiosas, projetos com crianças, aulas de capoeira e atividades de educação ambiental.
O avô de Carlos Basílio trabalhou na construção de Brasília em 1957 e as diversas gerações da família fazem parte da história do lugar. Ele representa a Comitiva da Vila e questiona o favorecimento e a falta de isonomia no cumprimento da lei. Segundo ele, o Colégio Eleva, em um terreno que destruiu nascentes e ecossistemas do parque, recebeu licenças do IBRAM e não enfrenta as mesmas dificuldades que a comunidade da vila “Pedimos que o governo e o poder público nos tratem com respeito e dignidade. Somos uma comunidade histórica, com raízes profundas em Brasília, e merecemos permanecer em nosso local de origem. A luta da Vila Cultural acreditamos que faz parte da memória, pela justiça e pelo direito à moradia digna”, afirmou.
Resistência comunitária
Ao longo das décadas, a comunidade resistiu ao avanço urbano de Brasília, destacando-se como uma das poucas áreas que preservaram uma ocupação popular e socioambiental, ao lado de vilas como Telebrasília, Planalto e Candangolândia.
A comunidade promove sustentabilidade com coleta seletiva e revitalização de áreas verdes, em parceria com a Universidade de Brasília, por meio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU/UnB) e sociedade civil, destacando-se como ocupação sustentável, de inclusão social e cultural no contexto urbano.
Segundo os moradores, visitas de agentes públicos foram realizadas em setembro e outubro deste ano, sem que fosse dada clareza sobre os motivos exatos da desocupação.
Parte da Vila Cultural Cobra Coral hoje é considerada área do Parque Asa Sul, criado em 2003, instalado em 2010 e reclassificado como Parque Ecológico em 2019. Antes da criação do parque, a vila já existia há décadas. A comunidade, no entanto, foi deliberadamente excluída dos diálogos de elaboração do Plano de Manejo do parque, aprovado em 2018, que identificou impactos ambientais na área, resultantes de intervenções externas à comunidade.
Para fortalecer a luta, moradores, entidades culturais e o Comitê de Defesa da Vila Cultural Cobra Coral divulgaram o abaixo-assinado em apoio à permanência da comunidade: https://peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=SALVEVILACULTURA e promoveram nos dias 29 e 30 de novembro um Ato Cultural com atividades gratuitas, como atrações musicais, grafite e ações de Educação Ambiental abertas ao público.
O processo de reconhecimento da vila como patrimônio imaterial está sendo iniciado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural do Distrito Federal- CONDEPAC-DF,vinculado à Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal -SECEC, que aprovou essa semana a criação de um Grupo de Trabalho para analisar, avaliar e propor diretrizes essenciais para a classificação da vila como patrimônio. A arquiteta urbanista , vice presidente do CONDEPAC-DF Angelina Nardelli informou sobre as medidas que estão sendo adotadas, em comum acordo com a comunidade e os órgãos responsáveis, incluindo o compromisso do Secretário de Cultura em enviar um pedido formal para suspender a desocupação da vila até a conclusão dos estudos, acatando solicitação dos conselheiros. “A comunidade tem um papel importante, fornecer informações e documentação que ajudem nos estudos, para melhor compreender o objeto. Um dossiê que comprove os fatores que permitem o lugar ser um bem imaterial também é de extrema importância”, afirmou.
Apoio político e judicialização
A comunidade tem recebido apoio de parlamentares do Distrito Federal, que reconhecem a importância do espaço, como os deputados distritais Chico Vigilante (PT), Gabriel Magno (PT), Max Maciel (PSOL), Fábio Felix (PSOL) e a deputada federal Érika Kokay (PT). Além de órgãos como Ministério do Trabalho, do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural do Distrito Federal (Condepac), artistas, produtores culturais, ambientalistas, arquitetos e urbanistas têm manifestado apoio à Vila Cultura Cobra Coral.
O deputado distrital Fábio Felix (PSOL) acompanha o caso e participou de reuniões com a Procuradoria dos Direitos do Cidadão e a Promotoria de Defesa do Meio Ambiente do MPDFT, quando defendeu a manutenção do patrimônio e do território sagrado que foi construído na vila e criticou a ação de despejo. “Oficiamos a Secretaria de Estado de Proteção da Ordem Urbanística questionando a falta de notificação prévia da desocupação e de acões da política de assistência social e habitação e seguimos acompanhando a comunidade local”, informou. Segundo o parlamentar, a legislação distrital garante a ocupação em prol da perenização das iniciativas culturais na vila.