Como aconteceu com relação à escravidão, o Brasil será o último país a legalizar a maconha. Não se espante com isso, somos um imenso país com vocação para o atraso e a alienação. Temos orgulho disso. Enchemos a boca para dizer que as moças da nossa família são “moças de família” e que os rapazes são de fato “garanhões”. Temos líderes em todos os setores que se orgulham de ser machos, bater em mulher, chamar preto de macaco, dar tiro pro alto em festa junina e em comemoração de gol.
É sério, gente! Por exemplo, o divórcio no Brasil foi tabu igual aborto, homossexualidade e virgindade da noiva. Tivemos um político cuja única pauta foi essa, dedicou duas décadas no Congresso à aprovação do divórcio, contra a igreja católica, a liga das senhoras honestas, a polícia e a justiça. Nelson Carneiro venceu a luta em 1977, com a emenda constitucional de sua autoria. Matéria constitucional, sim, porque o estado tem o costume de se meter em tudo na vida da gente. O Código Civil tipificava o crime de adultério e definia a mulher honesta até o governo Fernando Henrique Cardoso. O chifre no casamento era questão de estado, havia inclusive o “flagrante de adultério”, enquanto o mundo discutia o fim da União Soviética e a queda do muro de Berlim. O Brasil odeia as novidades por razões várias, quase sempre de fundo machista. A moral vigente aceita e incentiva o assédio sexual desde as primeiras manifestações da libido, mas como comportamento masculino apenas. É a velha história de “manter presas as suas cabritas porque os meus bodes estão soltos”. Aos garanhões, honra e louvor; às suas vítimas, a pecha de vadias, vagabundas, piranhas. O custo deste atraso é terrível, altíssimo. Mulheres castradas reduzidas a papéis sociais subalternos, aos abortos ilegais porque a igreja é contra, a medicina é contra, o juiz é contra.
Os reacionários sempre vencem, monolíticos, esteios da sociedade, suas leis, usos e costumes. E sua informação precária, tendenciosa, sua escola vesga, seu raciocínio rasteiro. Com a maconha é a mesma coisa, mas com o dinheiro impondo a moral vigente. Droga em geral é o negócio mais lucrativo em países como o Brasil, junto com o tráfico de armas. Se fosse legalizado o comércio e o consumo de maconha e cocaína, por exemplo, de onde os barões das armas e do tráfico tirariam dinheiro fácil? Quantas clínicas de reabilitação fechariam as portas? Quanto a indústria farmacêutica deixaria de faturar com os tarjas pretas? E os médicos? Os psiquiatras? Os psicólogos? E os advogados? E o judiciário? E a polícia? É uma rede tão extensa quanto poderosa. Tão poderosa que impede a reforma agrária e o fim da escravidão moderna no campo e na cidade. E existem redes dedicadas a outras atividades econômicas e sociais, do tráfico de órgãos à prostituição infantil. Redes afinadas para preservar o país na ignorância e em último lugar no processo civilizatório mundial. A legalização do comércio e do consumo de todas drogas não é o bicho de sete cabeças que se desenha no mundo oficial. O álcool e o cigarro prejudicam a saúde do mesmo jeito, ou mais. A ilegalidade custa rios de dinheiro público sem que a guerra às drogas tenha efeito. O grande barato seria o Brasil encarar a questão de frente e propor a discussão ampla e democrática. Mas isso só será possível no ano que vem, dependendo de quem ganhar as eleições. Por isto, olho vivo!