Como é do conhecimento dos amigos e de eventuais leitores da ANF estou em Brasília e entre os passeios da estação na cidade está a visita ao Setor Militar Urbano para conhecer de perto porém não na intimidade o acampamento dos bolsonaristas indignados com o resultado das urnas. É de se ver pessoas adultas, muitas idosas, uniformizadas de verde e amarelo a gritar o nome do futuro ex-presidente como se ele fosse materializar-se a qualquer momento, a evocar intervenção militar diante de soldados indiferentes, apáticos e alheios às faixas em português e em inglês muitas vezes confusas em ambas as línguas.
Mais cedo naquele mesmo dia vi um casal louro de meia idade com certeza morador de algum ponto na região sul do país comprando dois carrinhos dos grandes de supermercado cheios com sacolas de pãezinhos para os manifestantes no acampamento. Na hora me lembrei do congresso da União Nacional dos Estudantes em Ibiúna, São Paulo, em 1969, que o exército invadiu e prendeu milhares de jovens. O encontro era clandestino, mas a compra de todo o estoque de pães numa padaria o denunciou e deu no que deu. O acampamento de Brasília poderia estar no mesmo diapasão, não fosse o apoio decidido do exército, na figura do general Eduardo Vilas-Boas, ex-comandante no tempo de Dilma que lhe garantiu que não haveria golpe – e deu no que deu.
Mas o movimento desses dias no Setor Militar Urbano de Brasília não tem nada de clandestino; muito ao contrário, é financiado pelos setores que nos anos 1960 promoviam marchas da família com Deus pela liberdade e perseguiam estudantes com o Comando de Caça aos Comunistas (CCC) e o Movimento Anticomunista (MAC). Os que pregam o golpe bolsonarista como os generais Braga Neto, Alberto Heleno e Eduardo Vilas-Boas, entre muitos outros residentes no mesmo SMU onde mora também a maioria dos generais de quatro estrelas na ativa – o topo da carreira militar e da cadeia alimentar.
A incógnita hoje é saber se a eficácia do bloqueio bancário interromperá o financiamento das ocupações antidemocráticas toleradas com tanto carinho zelo pelos quartéis. A História mostra que os democratas jogam sempre dentro das quatro linhas da constituição, enquanto golpistas jogam o tempo todo fora desses limites, ainda que garantam sempre que não haverá golpe.