Em fevereiro de 2020, um novo ano letivo começou. A rotina que movimenta e afeta toda a cidade de volta ao lugar: crianças, famílias, professores, motoristas de ônibus. Quem poderia imaginar que duraria tão pouco?
No dia 13 de março, o então governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, decretou medidas temporárias de enfrentamento à Covid-19, que incluía a suspensão das aulas em todo estado pelo período de 15 dias. O que pouca gente esperava é que esses dias se transformariam em mais de seis meses sem pisar na escola. E agora, o que fazer? Educação a distância seria a solução frente a tanto tempo sem contato com a escola? Ao mesmo tempo, não seria o ensino remoto uma forma de excluir o aluno que não tem acesso à internet e aos meios necessários? Qual a solução para atender as crianças na educação pública?
Professora pela Fundação Municipal de Educação de Niterói, a pedagoga Naila Portugal, que atualmente leciona para a educação infantil, concedeu entrevista para o jornal A Voz da Favela para falar sobre a educação durante a pandemia.
Como a escola recebeu a notícia da pandemia e da necessidade de mudança na rotina?
Logo no começo, a equipe pedagógica se mobilizou, junto com as professoras, para pensar quais seriam as maneiras de mantermos os vínculos com as crianças e famílias em tempos de distanciamento social. Após pesquisa e conclusão de que majoritariamente as famílias tinham acesso às redes de comunicação da escola, começamos a pensar em propostas para realizar com as crianças por esses canais. Seguimos em constante estudo e reflexão para alimentar as páginas com propostas que compreendam os contextos socioculturais das crianças.
Como o conteúdo é distribuído e disponibilizado?
A escola tem 15 turmas com crianças entre dois e seis anos, além de quatro turmas de 1° ano do Ensino Fundamental. As professoras estão divididas em grupos de acordo com cada faixa etária, e a cada dia da semana uma equipe alimenta as páginas com propostas para as crianças realizarem. Os programas envolvem literatura, observação da natureza e construção com seus elementos, confecção de brinquedos e brincadeiras. Também propomos atividades que abordam questões sobre as emoções, já que estamos imersos em um momento tão delicado. Além das propostas, as turmas de primeiro ano receberam cadernos de atividades disponibilizados pela rede. Fazemos reuniões on-line com as famílias e as crianças para manutenção de vínculos. A resposta tem sido positiva, e as famílias enviam o retorno das propostas executadas pelas crianças, especialmente para o grupo de WhatsApp da escola.
Embora grande parte das crianças participe das atividades, dando retorno por fotos, áudios ou vídeos, como considera o ensino remoto?
Compreendo que o que acontece na Unidade Municipal de Educação Infantil (Umei) é uma exceção. As famílias das crianças das classes populares são trabalhadoras e nesse momento a maioria não parou de exercer seus ofícios. O número de desempregados aumentou consideravelmente na pandemia, e quem tem dinheiro para pagar internet ou ter um computador em casa, quando a prioridade com o pouco dinheiro que se ganha é a sobrevivência? Quanto à educação das crianças, esse período evidenciou uma desigualdade já existente, pois o acesso aos diversos tipos de tecnologias já se restringia às camadas privilegiadas da sociedade. Outro ponto a ser observado é sobre a alimentação das crianças que faziam suas refeições na escola. O município de Niterói está oferecendo auxílio e distribuindo cestas básicas para as famílias, mas como ficam as crianças espalhadas por esse Brasil? A pandemia só reverberou nossas mazelas.
Em um cenário de tantas incertezas, não há garantias sobre um caminho de sucesso. Há tentativas de profissionais que estão, de uma forma ou de outra, buscando acertar pelo melhor das nossas crianças. Quem tem a resposta? Paulo Freire, que completaria 99 anos, já dizia: “a alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria”. Que não percamos a esperança em nós e uns nos outros. Que encontremos alguma alegria na busca a qual todos nos debruçamos: a construção do melhor presente para a possibilidade de um melhor futuro.
Matéria originalmente publicada no jornal A Voz da Favela de outubro.