De acordo com pesquisa do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV Social), que analisou microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Covid-19), divulgada em julho pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 13,1 milhões de brasileiros deixaram a linha da pobreza entre 2019 e julho de 2020. Porém, é válido destacar que a extrema pobreza vem aumentando nos últimos anos, 67% desde 2015. Essa aparente contradição se deve ao pagamento do auxílio emergencial que beneficiou 67,7 milhões de pessoas, segundo a Caixa Econômica Federal. Só com o fim do programa, em dezembro, será possível perceber os reais impactos da pandemia.
Os R$ 218,3 bilhões – números da Caixa Econômica Federal – entregues aos mais pobres através do auxílio emergencial impactaram fortemente na renda dessas famílias, levando a uma queda inédita nos níveis de pobreza no país. Mas segundo o diretor do FGV Social, Marcelo Neri, essa mudança deve ser observada. “Em termos de valores, os nove meses de auxílio emergencial representam nove vezes o do Bolsa Família. É uma realidade insustentável”, relata.
Entende-se por pobreza, segundo o Banco Mundial, quando o valor da renda de uma família dividido pelo número de membros residentes na mesma casa resulta em menos de um salário mínimo por pessoa. Quando, pelo mesmo cálculo, se resulta em R$ 154 mensais, estão em extrema pobreza. Segundo o IBGE, pelo menos 52,5 milhões de brasileiros viviam com menos de R$ 420,00 até 2019. Isso representa pouco mais de um quarto da população brasileira.
Dividindo uma casa de um cômodo na favela Vila da Amizade, Zona Oeste do Rio de Janeiro, com três de seus quatro filhos, Roseli Paiva, de 38 anos, sustenta a família com o que recebe do Programa Bolsa Família. Com o auxílio emergencial, viu sua renda de R$ 382 subir para R$ 1.800 durante a pandemia – para mães chefes de família o benefício foi de R$ 1.200 até agosto. “Como o valor reduziu pela metade, esse mês de setembro recebi R$ 600. Fez muita diferença porque as coisas estão muito caras. Você vai ao supermercado com R$ 100 e não dá para trazer quase nada”, lamenta.
Para Neri, além da alta do dólar que estimula a venda de produtos produzidos aqui para o mercado externo, o aporte na renda dos brasileiros gerado pelo próprio auxílio influenciou no aumento de preços. “A faixa mais pobre gasta boa parte da renda com alimentos, porém, a retirada do auxílio a partir de 2021 vai puxar os preços para baixo”, completa.
Ainda de acordo com a Pnad Covid-19, até a última semana de agosto, o Brasil já contabilizava 13,7 milhões de desempregados. Reginaldo Gomes, de 43 anos, pai de seis filhos, é vendedor ambulante na praia do Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Ele faz parte do contingente invisível para o governo, já que antes da pandemia, não havia dados sobre o número de trabalhadores informais no país.
Ele conta que tem conseguido manter o faturamento com a venda de salgados pela desobediência do carioca em relação à proibição de frequentar as praias. Porém, no começo da pandemia, quando por decreto os comércios foram obrigados a fechar, contou com doações de cestas básicas, mais os R$ 600 do auxílio emergencial. “Depois que o governo não liberar mais essa ajuda, eu acredito que as praias já estarão liberadas e eu vou poder vender mais, se não vai ficar difícil”, diz.
Quem não foi contemplado com o auxílio emergencial pode perceber diretamente os impactos da pandemia. Assim como aqueles que receberam a ajuda, que enfrentarão a partir do ano que vem, com o fim dos benefícios especiais para o período, a redução da renda e aumento do desemprego. Evanil de Castro, 54 anos, cata latas nas ruas para complementar o salário mínimo da aposentadoria por invalidez. Ele e o neto dividem uma casa na favela da Restinga, Zona Oeste carioca.
“Ganho pouco e metade já vai para o aluguel. A gente precisa comer também”. O catador, por ser aposentado, não teve direito ao auxílio emergencial do governo e também não é cadastrado no Programa Bolsa Família.
A possível criação de um novo programa social de amparo à população, que será lançada de volta a níveis extremos de pobreza, não seria solução, segundo o diretor do FGV Social. O governo federal estuda implantar o Renda Brasil ou Renda Cidadã para substituir o Bolsa Família. “O que teríamos é uma inversão de recursos. Ninguém quer largar o cobertor curto e não tem de onde tirar esses valores”, afirma Marcelo Neri.
Esta matéria foi produzida com apoio do Fundo de Auxílio Emergencial ao Jornalismo do Google News Initiative.
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