Por Carlos Bruce Batista
O final da minha infância e início da adolescência, se comparado ao dos amigos que me cercavam, foi um pouco diferente.
Naquela época, em função de alguns cargos públicos que meu pai ocupou, como toda família em evidência, fomos obrigados a cumprir determinados protocolos que faziam parte de toda aquela conjuntura.
Então, desde seguranças a solenidades intermináveis, vários fatos marcaram definitivamente aqueles anos de exposição.
Naqueles mesmos anos, eu deveria contar com uns 12, os bailes funk faziam parte da vida de todos os meninos do Rio. Em todos os dias durante a semana ouvia os programas no rádio; nos finais de semana, assistia na televisão. Frequentava, dentro do possível alguns bailes e ainda me aventurava a escrever letras de rap.
Meus amigos do colégio puderam aproveitar mais os bailes do que eu. Uma ida minha a um baile tinha que ser tratada de forma muito aventurosa.
Primeiro, porque eu era filho do Vice-Governador e Secretário de Justiça do Estado. Segundo, porque minha casa era cercada de seguranças. E, terceiro, todo mundo do bairro conhecia minha família.
Uma ida minha a um baile funk definitivamente não era tão simples.
Além de todo esquema que me cercava, minha mãe teimava em dizer, já sabendo de minhas fugas repentinas, que o morro era perigoso e que por isso eu estava proibido de ir aos bailes.
Evidentemente que de todas as causas que me afastavam dos bailes, aquela da minha mãe era justamente a que menos surtia qualquer efeito sobre minha vontade incontrolável de curtir um bom som e participar de uma realidade distante da minha e muito próxima de todos meus amigos daquela época.
Uma de minhas aventuras aconteceu em uma noite que um amigo meu, chamado Anderson, foi dormir lá em casa.
Lembro-me que durante a semana não se falava em outra coisa, senão no baile que faria a equipe de som “Estúdio 58” ao tocar na quadra do morro da Coroa.
Eu sabia que minha ida, muito provavelmente, estaria prejudicada, uma vez que estava de castigo por alguma indisciplina no colégio. Então, como eu não poderia dormir na casa de nenhum amigo para ir ao baile, a idéia de poder curtir aquela noite se afastava da minha cabeça conforme o final de semana ia se aproximando.
Aconteceu que inesperadamente fui avisado pela minha mãe que ela viajaria justamente naquele final de semana para a casa de sua irmã em Juiz de Fora.
Confesso que vi naquela ocasião minha chance, ainda que remota, de poder curtir aquele baile.
Contudo, minha mãe antes de viajar ratificou com veemência sua sentença: “O Gute esta de castigo e não poderá sair de casa no final de semana”.
Muito abalado, com uma pitada de exagero, e chorando, perguntei à minha mãe: “será que pelo menos o Anderson pode vir dormir aqui em casa?”.
Amor de mãe é realmente o mais inocente de todos, “ta bom meu filhinho, dormir aqui ele pode sim!”.
Pronto! pensei, o primeiro passo da aventura foi dado.
Em minha casa e com a ajuda do Anderson, planejamos como faríamos para sair de madrugada para irmos ao baile.
Antes tínhamos que contar com a troca de seguranças, que era feita logo no início da madrugada.
Nos despedimos das meninas que trabalhavam lá em casa e fomos dormir. Colocamos o despertador para tocar à uma da madrugada.
Na hora marcada o relógio tocou e nos despertamos para dar início ao segundo passo da aventura.
Claro que colocamos algumas almofadas debaixo da coberta e as cobrimos, para passar a impressão de que naquelas camas duas crianças dormiam em paz.
Nos arrumamos rapidamente. Antes de deitarmos deixamos as roupas posicionadas em lugares estratégicos para facilitar nossa arrumação para o baile.
Descemos as escadas em silêncio e com os tênis nas mãos para não despertar ninguém na casa.
Abrimos a porta com a maior delicadeza para que os trincos não explanassem nossas intenções.
Passamos pela piscina e pulamos o muro para a escada, já que o portãozinho fazia muito barulho para abrir.
Na garagem demos uma olhada na fresta do portão principal para confirmarmos a troca de seguranças.
Tudo perfeito, saímos para a rua e o segundo passo da aventura estava dado.
Já descendo a rua lá de casa, meu amigo brincou comigo dizendo que eu estava com pares diferentes de tênis. Aquela verdade não me abalou nem um pouco.
Mesmo com pares diferentes, em função da pressa e conclusão do segundo passo da aventura, resolvi que iria ao baile naquela noite.
Enfim, chegamos na entrada do morro. Tudo me parecia perfeito. A noite estrelada, o som tocando nas alturas, os passos da aventura bem encaminhados, até que na descida para o baile aconteceu o inesperado.
Uma das meninas que trabalhavam lá em casa e que ajudou a me criar desde bebe, me parou na entrada, perguntando-me: “Gute, o que você está fazendo aqui?”.
Ela, que também estava às escondidas no baile, porque deveria estar tomando conta da casa, já que minha mãe havia viajado, me puxou para o canto e ordenou que eu saísse de lá imediatamente.
Antes eu perguntei para ela completamente sem graça: “e você, o que está fazendo aqui?”.
Meu amigo naquela altura já tinha se separado de mim e subido o morro para o baile.
Assim, aquela noite terminou sem que o terceiro e último passo da minha aventura fosse completado.
Na semana seguinte, fiquei sabendo que aquele baile foi um verdadeiro sucesso.
Minha mãe nunca soube desta aventura.
Eu ainda curti muitos outros bailes durante minha adolescência.