Muito tem se falado, e com uma certa mesmice absurdamente unânime, de que as tais Unidades de Policia Pacificadora estão  “libertando” os moradores das favelas do jugo do tráfico de drogas, e que a partir da ocupação esses tais territórios estarão em paz.  Alto lá, não sejamos tacanhos e estúpidos em aceitar essa política de segurança pública como algo definitivo.  Se bem que, como vivi na favela de Vigário Geral até meus 25 anos e por isso conheci de perto a ousadia e a covardia dos traficantes, aplaudo toda política de segurança que visa acabar com a opressão nas favelas. Entretanto, preciso ressalvar que não posso aceitar, como pensador social e ativista de direitos humanos, que somente isso será suficiente para que a maioria dos moradores das favelas tenham garantidos um padrão mínimo de qualidade de vida.

Fico estarrecido porque confundem ocupação como garantia de paz. Primeiramente não podemos dizer que uma favela esta sendo “pacificada”, pois os favelados nunca viveram em guerra. Ou alguém ouviu falar alguma vez que um grupo de pedreiros estava matando um grupo de porteiros? Que um grupo de vigilantes estava tomando de assalto a área de um grupo de padeiros?  Desde moleque sempre soube que isso era guerra de polícia corrupta contra traficantes entrincheirados em favelas. E se a matemática pode nos ajudar, basta fazermos uma projeção simples. Se na Rocinha existe cerca de 70 mil moradores e 200 traficantes (o que significa menos de 0,3% da população local) como durante todos esses anos o Estado não foi  capaz de garantir uma vida mais tranqüila e sossegada para os não-traficantes do local? Não brinquem com minha boa vontade de cidadão carioca, porque “pacificar” qualquer espaço urbano pressupõe algo além de prender os “cangaceiros urbanos”, como foi o caso do Nem da Rocinha. Algo está não se faz claro nesse xadrez desenhado para dar uma resposta a FIFA e ao COI. Não posso acreditar que o Governador do Rio, Sr. Sérgio Cabral e o Secretário de Segurança Pública do Rio, Sr. Beltrame, seriam capazes de nos iludir com tamanha hipocrisia.

Por isso, como não sou de bravatas e de falar asneiras, segue algumas sugestões daquele que teve de deixar sua luta pra trás por conta de ameaças e hoje se encontra em um exílio.

1.       Cumprimento integral das recomendações feitas pela CPI das Milícias. Sem o corte do braço financeiro das milícias ninguém poderá garantir o que acontecerá no pós-Olimpíadas;

2.       Criação imediatamente de um grupo de trabalho envolvendo os líderes comunitários das favelas ocupadas e os diversos órgãos públicos para criação de uma política de inserção dos jovens no mercado de trabalho e na qualificação profissional, com o apoio do SESI e SENAI. Porque melhor do que prender ou matar bandidos será evitar que outros jovens sigam o mesmo caminho dos traficantes anteriores;

3.       Respeitar a forma de expressão cultural dos jovens das favelas, como o Hip Hop e os Bailes Funks, por exemplo. Porque sem sua própria expressão cultural esses jovens continuarão a esmo e serão facilmente tragados por salvadores da pátria, sejam eles oriundos de religiões que prometem a eternidade ou políticos lacaios que os iludirão;

4.       Criação de um Banco de Crédito das Favelas, com apoio integral do BNDES, da CAIXA, Banco do Brasil e SEBRAE para que os jovens e os comerciantes locais tenham acesso a uma linha de crédito para montarem seus próprios negócios e manterem os já existentes. Com juros baixos e linha de crédito de incentivo as empresas que empregassem jovens das favelas

5.       Criação de uma WI-FIvela, com apoio do Ministério das Comunicações,  da EMBRATEL e das Universidades para que o custo de ligações, TV a cabo e internet fiquem mais barato. O que serviria de combate a “gatonet” e de certa forma cortaria um dos braços mantenedores de traficantes presos;

6.       Criação de um Comitê de Regulamentação de Transporte Alternativo, para que as vans sejam cadastradas e vistoriadas todos os meses. Dessa forma também cessaria a taxa de pedágio paga as milícias e aos traficantes. Para isso esse comitê seria itinerante para não criar vínculos locais e assim gerar o eterno “jeitinho brasileiro”;

7.       Criação do COF (Comitê Olímpico das Favelas) para que seja feito um programa de treinamento de jovens das favelas, com apoio do Ministério dos Esportes, do COB e diversos clubes, além do Exército e da Marinha para que esses jovens das favelas pudessem ser preparados a nível internacional para competirem a uma vaga nas Olimpíadas;

8.       Criação de diversos CTLs (Centros de Treinamento em Línguas), com apoio do Ministério da Educação e das Universidades, para que os jovens das favelas possam aprender Inglês, Francês e Espanhol. Com isso eles poderiam dar as boas vindas aos estrangeiros na Copa do Mundo e nas Olimpíadas.

Imaginem um menino da favela recepcionando um atleta e dizendo: “Nice to meet you, I am from Favela da Rocinha.Welcome to Rio de Janeiro. As you already know, Rio is the most beautiful city in the world, and Rocinha is the most peaceful place on earth.”

Não podemos sair da opressão do tráfico para a UPPressão do Estado porque qualquer política pública de segurança só terá êxito se essa incluir e respeitar a história de vida dos moradores dessas comunidades.

Caio Ferraz

Sociólogo, poeta e ativista de direitos humanos, nascido e criado na Favela de Vigário Geral, fundador da Casa da Paz de Vigário Geral, recebedor de quatro prêmios de Direitos Humanos, primeiro exilado político da era democrática brasileira

contato: caioferraz@comcast.net