Agora, começo a me afastar um pouco da grande roda que se formou em torno da expectativa por notícias boas, e aos poucos, consigo catar umas palavras do chão. Aos poucos. Ainda estou tentando me recuperar mas achei que devia falar alguma coisa antes que me tomassem por desaparecida de novo. O Sol derreteu tudo, inclusive aquele nosso sonho de sair por aí procurando umas pipas para depois soltar na praia. Destruiu a armadilha com jornal na areia e acabou com o boneco do Silvio Santos que levamos anos talhando na madeira. Botou luz demais, ardeu muita coisa e eu ainda não consegui me acostumar com a quentura toda, porque só consigo pegar uns segundos e usá-los com afinco para tentar pensar no futuro. Achei que pudéssemos conquistar um futuro, mas afinal de contas acho que isso é mentira. Mal aí, às vezes eu repito umas coisas para nos salvar e mais um montão de outras coisas para que ninguém se salve. No meio disso tudo: a vida acontece. Essa poderia ter sido a melhor primavera de todas, não fosse a secura da garganta, o excesso de ar no peito e o fato de estarmos marcando muita, muita bobeira. Eu sei, é preocupante quem vai levar adiante a revolução, quem vai tocar o barco ou quem vai dormir na escola? Não sei, não se pode pensar em tudo. Apostava todas as minhas fichas naqueles cinco moleques, mas agora eles tomaram 50 tiros e foram metralhados pela polícia.