1996. As tevês ainda eram de tubo, o dólar valia quase o mesmo que o real, a internet era um sonho distante. O mundo era bem menor do que parece hoje, principalmente para mim, então com nove anos de idade. O Rio era uma cidade bastante violenta. Nossas escolas eram cheias de problemas e nos hospitais, faltava de tudo – nada muito diferente de hoje. 2036: onde estaremos em 20 anos? O futuro parece mais duvidoso que nunca, exceto por uma única questão: a certeza de que o mundo será ainda menor, porém, pior para os nossos filhos com todos os retrocessos que começaram a ser plantados ontem (13) no Senado Federal.
Vai ser difícil acordar e aceitar o que foi feito com o povo brasileiro e com a Constituição de 1988 neste 13 de dezembro de 2016. A PEC 55, que congela o salário mínimo e estabelece um teto de gastos para a saúde e a educação, foi aprovada com folga pelos senadores. O placar de 53 a 16 passou como um trator por cima das esperanças de todos aqueles que sonham com um país mais justo. Não há assalariado neste país que possa comemorar o que houve, exceto aqueles de caráter duvidoso e incrível complexo de vira-latas. Mesmo quem não demonstra muita compaixão pelo próximo deve estar sentindo um mínimo de dó por ter ido às ruas bradar impropérios sob a bandeira verde e amarela. Os coxinhas pediram por educação e saúde padrão Fifa; receberam educação e saúde estilo campo de várzea (com todo respeito aos peladeiros).
No dia em que se completam 48 anos da instauração de todas as arbitrariedades do Ato Institucional Nº 5, o Senado Federal assina a sentença de morte de muitos brasileiros. A chamada PEC do Fim do Mundo ainda vai calar muitas vozes, seja pela restrição de circulação de pensamento ou pela simples morte, de fato, de trabalhadores que padecem nas filas dos hospitais. Se nosso sistema de educação e saúde públicas não funcionam com as verbas disponíveis, como será possível superar todas as suas deficiências com menos recursos? A resposta é simples: não será possível. Por 20 anos, estaremos à deriva nesta nação que, como sempre, segue sendo um projeto de tudo que poderia ter sido.
Precarização de serviços e um possível sucateamento ainda mais aprofundado na educação, com a redução no número de crianças nas escolas, o congelamento de vagas nas universidades e o corte drástico de verbas para pesquisas (já uma realidade desde que foi consumado o golpe branco que derrubou Dilma Rousseff) prometem nos atirar em um limbo de obscurantismo não apenas educacional, mas principalmente científico. Talentos passarão a ser mais exportados que nunca, e poderemos ironicamente sentir orgulho de ser a nação atrasada, subserviente e subdesenvolvida que fomos duas, três, dez décadas atrás, aquela época da qual tantos neoliberais sentem saudade.
A óbvia e futura piora na saúde pública, que já anda mal das pernas, só pode fazer crescer a demanda por serviços privados. Além do fato de nem todos poderem arcar com esse tipo de custo, é bem conhecido o que acontece quando a medicina se mistura a interesses comerciais. Subsídios à indústria farmacêutica, procedimentos desnecessários, encarecimento de exames… Tudo pode entrar no balaio de maldades daqueles que juraram salvar vidas, mas vivem para salvar a própria conta bancária – assim como certos políticos que, em vez de atuar em favor do bem público, fazem de seus mandatos verdadeiros balcões de negócios de interesses próprios.
Em resumo, o desenrolar da tarde passada fecha com chave de ouro um dos mais lamentáveis anos para a política brasileira contemporânea. Nunca recebemos tantas notícias ruins em tão pouco tempo. Vivemos 50 anos em cinco meses no ano de 2016. Pelo andar da carruagem, viveremos 20 meses em 20 anos daqui para frente.
Que os ceús nos protejam. Agora, só restam as ruas ou o meteoro – fim do mundo nós já temos.