Periferias brasileiras: resistência e criatividade

foto: Marcella Saraceni

Há uma tendência de resumir a história das periferias das cidades brasileiras às categorias de invasão ou lugar perigoso. E como essas categorizações portam uma determinada negatividade social, acabam impondo aos moradores dessas localidades, situações públicas de discriminação e prejuízos sociais (negação de emprego) que, muitas vezes, justificam o fato de uma parte desses moradores não terem uma relação positiva com o lugar onde vivem.

Tal tendência desconsidera a luta de milhares de moradores para conquistarem um pedaço da cidade onde pudessem ter sua moradia e resume as tentativas de invasões a uma solução fácil por parte dos cidadãos pobres da cidade.

Migrantes ou desempregados, sobrevivendo com baixos salários e parcas rendas, viam muitas vezes como solução tentar a sorte de ocupar um terreno público ou privado largado ao trabalho do tempo, ou seja, abandonado. Depois de conquistada a terra, lutavam sucessivamente por acesso a água, luz, telefone, saúde e escola, assim como construíram suas casas com os braços de pedreiros locais e ajuda, com a formação de mutirão. O dia de “bater a laje” marcava os sábados e domingos dessas localidades e terminavam com um grande almoço regado a cachaça, cerveja, cozidos e feijoada. Tudo para fugir do aluguel.

Assim, aquele bairro que contrasta com a estética urbana e a legalidade arquitetônica e edilícias que reinam nos bairros de luxo, e é julgado como feio, horrível, desorganizado e grotesco, na realidade é fruto das mãos de seus próprios moradores. É aquilo que conseguiram produzir, mesmo excluídos do mercado imobiliário formal, da legalidade urbana e dos saberes arquitetônicos.

Ao acusarem os bairros periféricos de invasão, origem que nem todos possuem, busca-se evidenciar a imagem de favela, de violência, de pobreza e de agregação ao direito à propriedade. Transformam seus moradores em aproveitadores e espertalhões que usurparam a propriedade alheia, desconsiderando as condições em que esses viviam e sua exclusão das políticas habitacionais e urbanas. Numa cidade que lhes negava um lugar na riqueza, restava-lhes construir com suas próprias mãos o seu território.

Julgar a periferia pela aparência desconhecendo sua história, seria uma espécie de silenciamento, pois significaria passar uma borracha sobre toda a história de construção desses espaços. Ouvir esse passado e registrar suas narrativas, navegar sobre as memórias dos antigos moradores, constitui-se numa política fundamental reconsideração da história da periferia, contribuindo assim para que os seus moradores, principalmente os mais jovens, possam ter mais estima pelo lugar onde vivem. É nesse caminho pelo qual têm se dirigido muitos desses movimentos sociais de valorização da periferia patrocinados por ONGs e grupos de hip hop.

Essa forma de pensar a periferia não significa desconsiderar contexto de desigualdade e as condições socioeconômicas em que viviam seus heróis, construtores desses espaços, mas simplesmente procura-se apontar como criatividade, solidariedade e luta se constituíram em cimento da produção dos espaços periféricos. Aquilo que não cumpre os padrões estéticos urbanísticos e arquitetônicos não pode ser resumido simplesmente pela ideia de informalidade e ilegalidade, mas tem que revelar seu conteúdo: a força popular de resistência.

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