Periferias do Maranhão: berço dos fazedores de cultura do Bumba Meu Boi

Bumba-meu-boi do Maranhão, sotaque de matraca. Crédito: Jasf Andrade

Você já deve ter ouvido ou lido essa frase “ fazedor de cultura”. Mas afinal, onde estão e quem são esses sujeitos?

Fazedores de cultura são pessoas que vivem e fazem circular arte e a cultura dentro do município. Nas periferias existe um acervo de pessoas que estão nesse momento fazendo cultura. Mas será que estão se vendo com tais fazedores?

No Maranhão, dos Tambores de Crioula aos variados sotaques do Bumba-meu-boi, o caminho até os fazedores de cultura é o mesmo: população preta periférica.

Originário do século XVIII, o Bumba-meu-boi, por vezes definido como um folguedo popular, ultrapassa o aspecto lúdico da brincadeira e trata-se de uma celebração múltipla, com grande influência do catolicismo, tendo São João como padroeiro, dividindo o protagonismo também com São Marçal e São Pedro, santos de maior devoção pelos brincantes.

Encontro dos miolos de boi no Maranhão, Boi de São José de Ribamar. Crédito: Jasf Andrade

A celebração envolve o universo místico, a dança, o artesanato, a música, os rituais, a devoção aos santos associados à manifestação e as performances dramáticas. Grande parte dos brincantes (pessoa que é membro do grupo de boi), ganham a experiências do artesanato dentro dos grupos, pois bordam e enfeitam seus próprios adereços, nesses espaços, que são chamados de barracões, acontece uma intensa troca de saberes, entre os mais velhos e os mais novos.

Tanto na forma de bordar, tecer, costurar, assim também nos rituais, nos ciclos festivos, existe essa passagem de saberes, com uma herança, um legado/tradição a ser repassado. E ali nos barracões, mesmo imersos em tantos fazeres culturais, o brincante só se enxerga com brincante.

Considerada a maior manifestação cultural do Estado, tem seu ciclo festivo organizado da seguinte forma: ensaio, batismo, apresentação ao público ou brincadeiras, morte do boi. A manifestação cultural é vivida pelos brincantes durante todo o ano, mas as apresentações ou brincadeiras, cumprem o calendário de festividade do período junino.

Sendo um espaço que proporciona momentos de maior troca de saberes e expressões culturais, em 2019 a UNESCO consagrou o Bumba-meu-boi como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.

Figuras com a de Mestre Apolônio, fundador do Boi da Floresta (1970), que tem sua sede localizada no primeiro quilombo urbano de São Luís (MA), é de grande valia. Homem preto, vindo do interior do Maranhão, dedicou sua vida à cultura popular, em especial na propagação do bumba-meu-boi. Hoje carro-chefe da cultura popular do Maranhão, a manifestação cultural nem sempre teve seus dias de glória.

Bumba-meu-boi do Maranhão, Boi Da Floresta. Crédito: Jasf Andrade

Com origem na população negra, o bumba-meu-boi passou por diversas perseguições.
Preocupados das batucadas saírem das periferias e chegarem até o centro da cidade foi implementado o Código de Posturas de São Luís, Lei Provincial de 4 de julho de 1866, em seu artigo 124, “proibia a realização de batuques fora dos lugares permitidos pelas
autoridades competentes”. Durante o período de vigência, os grupos precisavam de uma licença para que pudessem realizar suas apresentações, que muitas vezes eram negadas.

As mudanças nesse cenário começam a se modificar, quando pesquisadores vêm ao Maranhão para conhecer mais sobre a brincadeira. O bumba-meu-boi com o tempo, alcança grandes repercussões nacionais e até internacionais nas pesquisas sobre o tema do folclore. E ganha o coração dos turistas.

O Estado começa a ampliar espaços para a propagação da cultura popular maranhense, em especial o bumba-meu-boi.

E a partir daí surgem novos grupos.
O bumba-meu-boi divide-se em cinco sotaques : costa-de-mão, baixada, matraca, zabumba e orquestra. Estes estilos não são os únicos e existem ainda muitas variações, assim como os bois alternativos.

Que vem gerando preocupações e discussões. Uma delas envolve o fazedor de cultura e que estilos culturais são esses que ofuscam a tradição dos grupos de boi mais antigos.

A terminologia “boi alternativo” é criada pelo poder público para enquadrar grupos que não se encaixam nas características dos grupos tradicionais. Surge com a proposta artística de apresentar resumos e releituras das manifestações populares, criadas a partir de um
conceito de produtores culturais, com base nos grupos tradicionais, mas que diferem em muitos elementos.

Esses grupos acabam ganhando destaque e até certo favoritismo dentro das apresentações particulares e do Estado, por apresentar uma estética mais atrativa aos turistas. Causando também um processo de “higienização” de alguns grupos, que buscam padronizar até a estética dos brincantes.

Bumba-meu-boi do Maranhão, Boi de Santa Fé: Crédito: Jasf Andrade

Quantas vezes a cultura periférica teve seus fazedores culturais silenciados, não valorizados e depreciados? Ou quando muito do que já produzimos dentro da periferia só ganha repercussão quando certos veículos de comunicação passam a propagar certos fazeres? Acredito que a resposta seja: muitas vezes.

O processo de apagamento dos fazedores culturais periféricos é um processo que precisa ser reverberado, pois a necessidade de que nossas ideias, sonhos e propostas de discussões, não seja apenas escadas e sim forte mobilizadora e potencializadora de cultura.

Porque sim, nas periferias sabemos e fazemos cultura de qualidade, cultura que move e modifica, amplia e entrega diferentes formas de saberes. Na periferia tem fazedor de cultura sim!

Mais informações sobre o Bumba-meu-boi no Maranhão, basta acessar Bumba-meu-boi

Bumba-meu-boi do Maranhão, Boi Santa Fé. Crédito: Jasf Andrade

Samária Passos

@_sam.passos

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