Quem me vê serena no ônibus, aparentemente concentrada na paisagem, nem imagina o som que sai do meu fone de ouvido: “Pesadão”! Se você ainda não sabe do que estou falando, preciso fazer uma pausa pra te explicar e assim seguir nosso papo, ok?!
Esta é uma das músicas que a Iza canta. Ela desestruturou meu coração. Recentemente, a maioria dos meus amigos a conheceu em um prêmio da TV fechada. Eu confesso que todas as suas letras me trazem um impacto, mas, depois de “Pesadão”, meu pensamento teve uma epifania quase que épica, se é que isso é possível
Esse texto não fala da indústria brasileira de música e muito menos sobre como Iza é um mulherão sensacional, linda e inteligente. Fica aqui uma ressalva sobre esse assunto.
A letra tem me acompanhado e percebo claramente o impacto que reflete até nas percepções sobre mim mesma. Com uma leitura mais atenta, vejo como cada vez a estrofe retrata partes dama minha realidade – e minha realidade é nossa também:
“Vou reerguer o meu castelo
Ferro e martelo
Reconquistar o que eu perdi
Eu sei que vão tentar me destruir
Mas vou me reconstruir
Vou ‘tá mais forte que antes”
Você já passou por uma enchente? Tenho quase certeza que sim. Ou conhece alguém que viveu isso? Já viu suas memórias indo por água abaixo e, com o tempo, ter sua história apagada? Já lutou e se esforçou três vezes mais para alcançar um lugar de destaque, seja na empresa ou no dia a dia, e no meio do processo tentarem te desanimar, dizendo, por exemplo, o quão difícil deve ser pra você ter que fazer isso todos os dias (como se pudesse sentir o que você sente, por exemplo, esmagado no transporte público)?
Situações como essas são tão corriqueiras na nossa vida que, enquanto escuto o hit da Iza e folheio meu livro de Steve Blank e Bob Dorf, me dou conta de como nossas perspectivas são desestruturadas por nossos traumas emocionais e fazem parte da vida que levamos nos nossos territórios (que muitos querem visitar pra tirar fotos e comer um tira-gosto, mas morar? Nem pensar).
É neste exato momento que meu coração acelera, minhas expressões mudam e minha vontade é fazer o tipo “passageiro de ônibus inconveniente”: tirar o fone do ouvido e depois colocar a música para gritar bem alto.
“Do Engenho Novo pra Austrália
Pronto pra batalha
Cabeça erguida sempre pra seguir
Se tentar nos parar, não é bem assim
Ficaremos mais bem fortes do que antes.”
Quem aí já se imaginou viajando o mundo e teve seus sonhos frustrados? Eita! Eu já… Inúmeras vezes. Mas, ao ouvir esse trecho, não resisti. Lembrei da MC Martina, que tem viajado o mundo com seu trabalho, sendo reconhecida por sua arte. Encontrei na minha timeline de Facebook o Otávio August, que tem compartilhado sua experiência e fez de seu status o “Diário de um Belford Roxense na Inglaterra”. Lembrei do menor que veio me contar, na hora do intervalo da minha palestra na escola, suas metas sobre aonde queria chegar. Seus objetivos de ser grande, de brilhar. E ele só tem 11 anos.
Essas novas perspectivas e conquistas me fazem acreditar e continuar entendendo que, sim, vão tentar de todas as formas arrancar nossa oportunidade de conhecimento e, na maioria das vezes, vai ser tão desanimador que vamos cogitar a possibilidade de desistir quase que diariamente.
Nosso dia a dia é pesadão, é cansativo, é desafiador. Nossas perspectivas e expectativas parecem andar em corda bamba, olhamos em volta e a bala come atrás da gente, todos os dias. Se estilhaça entre lápis e papel.
Como ter um novo olhar? Como sair de tudo isso e respirar, se a superfície está agitada? É dar uma de surfista da vida, ir na onda. Dançar na onda?
Nesse momento, eu preciso dizer:
“Vem comigo quem é do bonde pesadão!”
Essa frase nunca fez tanto sentido. É preciso reafirmar que nossas armas continuam sendo o conhecimento e a certeza de aprender com nossas referências, cada vez mais próximas de nós, mostrando na nossa cara que, se não abrirem a porta, nós criamos uma e mais outra. Ninguém precisa nos enquadrar num padrão, porque não aceitamos esse enquadre. Como diz o mestre Gil, “meu caminho pelo mundo eu mesmo traço”. Hoje, a favela é que nos dá régua e compasso.
“Punhos cerrados, olhos fechados
Eu levanto a mão pro alto e grito…”
E aí? Vai desistir ou ser a próxima referência da vez?