Liège se identifica enquanto uma pessoa não binária e luta por uma sociedade sem a regra da binaridade imposta| Arquivo Pessoal

O Dia Internacional do Orgulho Não Binário é comemorado hoje, 14 de julho, data escolhida pela comunidade por estar exatamente entre os Dia Internacional da Mulher (8 de maio) e do homem (19 de novembro). 

Não binárias são as pessoas que não se encaixam na binaridade estabelecida pela sociedade, que classifica as pessoas, somente, como homens ou mulheres. Não binário é um termo guarda-chuva, que engloba diversas identidades, a exemplo de agênero, gênero neutro, bigênero, entre outros. Há também o caso de pessoas que apenas se identificam enquanto não-binárias ou como transfemininas ou transmasculinas.

Dentro da comunidade não binária, há duas categorias importantes para a luta política: transfeminilidades e transmasculinidades. Transfeminina é a pessoa designada homem ao nascer, mas que se identifica, de alguma forma, com as feminilidades. Com as pessoas transmasculinas, ocorre o contrário.

A comunidade não binária no Brasil está organizada em coletivos ou dentro de outros movimentos da comunidade trans e luta para conquistar direitos. Uma das pautas é a retificação de gênero nos documentos. 

Liège Nonvieri luta contra imposição da binaridade. FOTO: Arquivo Pessoal

Luta por reconhecimento de direitos

Liège Nonvieri, estudante de Ciências Sociais, mora no Morro da Lagartixa, em Costa Barros, na zona Norte do Rio de Janeiro. É membro da Articulação Brasileira Não-Binárie (Abranb). Ela conseguiu o direito à retificação do nome — que atualmente só é possível através de ordem judicial — mas ainda enfrenta problemas para acessar serviços públicos.

“Apesar de ter essa informação em minha certidão de nascimento, meus outros documentos são frequentemente modificados sem meu consentimento, levando a situações embaraçosas. Ainda na semana passada, durante uma internação, meus documentos do SUS, que me identificavam como mulher, foram alterados para masculinos sem que sequer me perguntassem.”

Pessoas não binárias como Liège relatam que os outros tentam encaixá-las como homem ou mulher devido à binaridade ser imposta como regra social. “Às vezes, assumem que sou uma pessoa transmasculina, enquanto, em outros casos, me veem como transfeminina. Não corrijo, gosto que a confusão se instaure, afinal não fui eu que a produzi.” 

Liège conta como encara essas situações: “Não é incomum para mim receber ofensas como viado e sapatão, de diferentes pessoas, em um curto espaço de tempo. Em vez de me ofender, entendo isso como uma indicação de quanto conflito existe na manutenção de um binário de gênero insustentável. Minha luta é por uma desidentidade não binária, que desafie e questione todos esses essencialismos. Luto por uma transneutralidade que, ironicamente, está longe de ser politicamente neutra”.

Lör de Paula se encontrou enquanto pessoa não binária. FOTO: Arquivo pessoal

Sentindo-se feliz e seguro na favela

Lör de Paula, tarólogo, morador de Cantagalo, favela da zona Sul do Rio de Janeiro, ficou muito feliz quando se descobriu não binário e transmasculino. Antes, não conseguia se encaixar, se sentia como “uma espécie diferente”. 

“Eu moro no Cantagalo, que faz parte do complexo do Pavão, Pavãozinho e Galo, PPG. Aqui é o lugar onde eu me sinto bastante seguro, sabe? Não é como em alguns outros lugares da cidade que as pessoas são muito ignorantes, principalmente quanto às questões LGBTQPIAP+. A galera aqui é bem cabeça aberta para tudo.”

Uma dificuldade enfrentada por ele, assim como Liège, é a imposição da binaridade. “É difícil explicar para as pessoas, né? Nem todo mundo entende o que é ser não binário e acaba jogando para esse lado, do homem trans. Eu tô lutando pra botar pra frente nossa luta, que é importante tanto quanto todo o espectro trans.”

Ele fala que usa a bandeira não binária na sua logo ao oferecer os serviços como tarólogo, como uma forma de divulgar a sua luta. “Eu tento sempre trazer tudo o que faz parte do meu universo, da minha bolha, para o mundo, para a luz. Pra as pessoas saberem que a gente tem que confortar mesmo, mostrar que existimos, que somos população, para a gente poder brigar e lutar por políticas públicas.”

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