Carlos Eduardo Porte Silva, 35 anos, professor de educação especial, mora no bairro residencial São José, na periferia de Campinas, São Paulo. Para ele chegar ao posto de saúde mais próximo de sua casa, relata que precisa andar 45 minutos ou mais. Já ao hospital, o trajeto ultrapassa o tempo de uma hora andando.
Ariadna de Oliveira Santos, cozinheira de 49 anos, mora na favela Estrutural, em Brasília e tem dificuldade de locomoção, causada por um problema na medula. Para ir até hospital e ambulatório, gasta cerca de uma hora de carro e, para o posto mais perto de sua casa, demora 20 minutos andando – que se estende por uma hora devido à sua condição de saúde e uso de bengala.
Tanto Carlos quanto Ariadna moram em cidades com a maior porcentagem de pessoas que precisam caminhar por pelo menos 30 minutos para chegar a um estabelecimento de saúde de baixa complexidade, como mostra a imagem 1.
Esse dado faz parte da pesquisa Cidades Resilientes e Acesso aos Serviços de Saúde, do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) do Brasil, que mostrou que 3,6 milhões de pessoas gastam esse tempo ou mais para se locomover até instituições de baixa complexidade, número que chega a 4,9 e 28 milhões quando os trajetos são para as de média e alta complexidade, respectivamente.
O estudo constatou, ainda, que pessoas de baixa renda demoram mais do que pessoas ricas para acessar estabelecimentos de saúde que oferecem procedimentos de média e alta complexidade. Em 14 das 20 cidades analisadas, o tempo para chegar a estes espaços a pé ou de bicicleta é duas vezes maior para os mais pobres do que para ricos.
De acordo com Bernardo Serra, gerente de políticas públicas do ITDP e coordenador do estudo, serviços de baixa complexidade são, em geral, postos de saúde que abrangem ações de prevenção de doenças e acompanhamento das famílias. Os de média complexidade são aqueles com procedimentos tais como exames e atendimento ambulatorial especializado, e os de alta complexidade compreendem os hospitais.
Para ele, é importante ter esse referencial quando falamos de mobilidade urbana, pois o primeiro ponto para melhorar o acesso aos instrumentos de saúde é promover uma melhor distribuição dos equipamentos de baixa complexidade, principalmente, em territórios mais vulneráveis.
“O posto teria que ser mais centralizado na favela, para que todos pudessem ter o mesmo acesso, mas fica na entrada, assim como a delegacia, a escola e o comércio. Aqui dentro não tem nada, porque é considerada uma área perigosa”, confirma Ariadna, que relata que, para ela, é complicado se locomover até o posto de saúde, mas passou a fazer isso depois que as visitas dos agentes comunitários foram interrompidas devido à pandemia.
Segundo Bernardo, em áreas mais remotas, onde não tenha uma densidade de pessoas suficiente para justificar uma estrutura física, a presença do agente comunitário de saúde é fundamental. Ele esclarece que esse cuidado e prevenção promovidos pelos postos de saúde e os agentes implicam diretamente em um menor deslocamento das pessoas, pois entende-se que elas ficam menos doentes e menos necessitadas dos serviços de média e alta complexidade, que geralmente estão mais longes de suas residências.
Para Carlos, justamente durante a pandemia, esse monitoramento do posto de distância fez diferença para evitar o agravo de sua esposa, que evoluiu com sintomas de Covid.
E é o que sugere o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Mobilidade Urbana e Acesso ao Sistema Único de Saúde para Casos Suspeitos e Graves de Covid-19, que estimou que um grande número de pessoas precisam caminhar mais que meia hora para ter um atendimento no SUS por suspeita de Covid-19 ou para chegar a um hospital com capacidade de internação. Por isso, os pesquisadores sugerem, ao final do estudo, organização do transporte e medidas como o fortalecimento das equipes técnica e de agentes comunitários de saúde que realizem atendimento à domicílio aos pacientes de baixa renda.
“Para mudar a condição de acesso a esses equipamentos, precisa ter esses dois olhares, de uma política de saúde com distribuição espacial desses equipamentos de baixa complexidade, e por outro lado prover mais segurança para o deslocamento quando ele é necessário”, conclui Bernardo.
Bicicleta é considerada meio eficiente de acesso aos serviços de saúde
Tanto Ariadna quanto Carlos afirmam que demoram pelo menos 40 minutos só na espera de um ônibus que dá acesso ao posto e aos hospitais, e o que poderia ser percorrido em 15 minutos acaba levando o dobro do tempo, segundo eles. Ela recorre a aplicativos de carro quando não consegue carona dos vizinhos, mas como algumas vezes precisa ir aos serviços de saúde duas vezes por semana, devido ao custo, não usa o transporte com frequência.
A pesquisa do ITDP mostra baixo desempenho do transporte público quando comparado ao trajeto a pé de bicicleta para os três níveis de complexidade, como mostrado na imagem 2. O que é reforçado pelo especialista em mobilidade urbana, Bernardo Serra, do ITDP. “O transporte público ainda é ineficiente quando a gente compara com o uso da bicicleta para trajeto a equipamentos de qualquer nível de complexidade, porém, não faz sentido a pessoa se deslocar de bicicleta, quando ela está com a saúde comprometida. Então, é muito importante que o sistema de transporte público funcione nesses casos”, comenta. Nesse sentido, Bernardo estimula investimentos em ambos os segmentos.
Carlos não optou pela bicicleta para ir até o posto pelos problemas de mobilidade urbana encontrados em seu bairro, e apesar da demora, ainda prefere o ônibus. “Aqui, não é tranquilo, porque tem uma avenida muito movimentada e o espaço para o pedestre e o ciclista andar acaba sendo muito perigoso”.
De acordo com Bernardo, existe uma subutilização da bicicleta, porque ela é percebida como um modo inseguro de transporte, o que de fato acontece, já que segundo ele existem muitos relatos de mortes de ciclistas.
Para Ariadna, além dos ciclistas, o planejamento de mobilidade urbana deveria considerar também as pessoas com dificuldade de locomoção, tendo em vista que ela acredita que poderia ir de cadeira de rodas até o posto se as ruas de seu bairro fossem ambientes que propiciassem segurança. “São ruas que não são planas, nem certas, não tem passagem de pedestre, não tem calçada, fica difícil para uma pessoa que não tem mobilidade”, desabafa.
Bernardo acredita que mobilidade urbana passa pelo prover mais confiança para o deslocamento quando ele é necessário, isso significa ter calçadas adequadas, redução na velocidade dos veículos, segurança na via, tratamentos de elementos que se cruzam, como ruas e ciclofaixas, e tudo que transmita segurança para pedestres e ciclistas circularem pela cidade, em especial, em áreas periféricas, de morro, de favela, onde, em geral, essa estrutura urbana é mais deficiente.
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