22 de janeiro de 2012. Cerca de 9 mil moradores do assentamento Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), são despejados com força policial da área que ocupavam e onde construíram seus cotidianos ao longo de oito anos. Representavam 2.000 famílias.
A própria população residente do entorno da área caracterizou o despejo como um massacre realizado por 1.800 policiais militares, outros tantos guardas civis metropolitanos e dois helicópteros da polícia numa manhã de domingo. Pinheirinho era considerada uma das maiores ocupações da América Latina.
Uma verdadeira batalha de liminares na Justiça possibilitou esse massacre. A reintegração foi cumprida à risca por determinação da Justiça Estadual de São Paulo. O terreno fazia parte da massa falida da empresa Selecta, de um já conhecido personagem da justiça, o empresário Naji Nahas. Entretanto, os moradores tinham em mãos uma decisão do Tribunal Regional Federal contra a reintegração.
A briga judicial prejudicava o elo mais fraco da corrente do capital. Naji Nahas não pagava os impostos daquele terreno, adquirido por ele em 1981, há mais de 20 anos. O crime praticado pela justiça? O resultado foi o perdão das dívidas dele e o despejo de 9.000 trabalhadores de uma área de 1,3 milhão de metros quadrados que hoje está abandonada, sem nenhuma função social. Cabe relembrar que a a empresa Selecta faliu em 1990 e era uma off shore com sede num endereço inexistente numa cidade do Panamá.
Apesar dos questionamentos realizados pela OAB, pela Procuradoria e pelo Conselho Federal de Psicologia, o STJ validou e autorizou o despejo em liminar emergencial, dando início à desocupação às 6 h da manhã. A área abandonada desde 2004 ganhou função social quando essas famílias passaram a residir naquele pedaço de chão. Havia organização comunitária: associações de moradores, igrejas de variadas raízes e crenças, comércio local e até uma praça para o lazer. O que havia sido construído pela população local durante anos foi destruído com requintes de crueldade em apenas um dia pelo braço armado do Estado.
Às 13 h, as famílias passaram a ser submetidas por um centro de triagem e encaminhadas para abrigos provisórias. Parece um desfecho relativamente aceitável para aqueles que viviam em barracas de lona e barracos improvisados, sem a certeza do teto. Mas não foi.
Após longos cinco anos de promessas vazias e injustiças sequenciais, algumas famílias receberam, depois de seis adiamentos, as chaves de casas populares construídas pela Caixa Econômica Federal. Foram entregues 1.461 casas em dezembro de 2016, mas muitos remanescentes do assentamento se dispersaram. O local do atual Residencial Pinheirinho dos Palmares em nada se parece com o assentamento original. É distante da região central cerca de 15 km, sem acesso adequado a bens e serviços públicos como posto de saúde e escolas públicas. Outras famílias passaram a receber o chamado aluguel social, insuficiente para todos os gastos com moradia e subsistência.
A questão escolar é ainda uma incógnita aos novos reassentados. A prefeitura de São José dos Campos alugou contêineres por dez meses para que mais de 1.000 crianças e adolescentes possam ter acesso mínimo a educação. Sim, contêineres, sem luz natural, em espaços confinados, sem ventilação adequada, até o início da construção de uma escola de Ensino Fundamental. Há um detalhe: a própria prefeitura alega não ser viável a disponibilização de ônibus escolares por causa do alto custo gerado. Quanto a creche para crianças até 3 anos de idade, a prefeitura alugou para este fim um imóvel nas imediações do conjunto habitacional. A pré-escola para 4 e 5 anos já existe no entorno, segundo ela, que ainda promete a entrega de unidades educacionais até final de 2017.
Apesar da unidade comunitária, onde todos se conhecem, as incertezas no que tangem o mínimo de cidadania ainda são fortes. As residências, de 2 quartos, sala, cozinha e banheiro, com 42 m², apresentam em sua maioria problemas com infiltrações e na rede de esgotos. Acesso a transporte público e emprego são extremamente dificultados por causa do afastamento da região Central e da Zona Sul da cidade, onde existe a maior concentração de indústrias. Parte dos moradores, catadores de resíduos sólidos, perderam a fonte de renda devido a distância das usinas de reciclagem.
Luta na justiça
Pinheirinho vive ainda uma batalha judicial há mais de uma década. Durante a reintegração de posse do terreno, várias foram as práticas de abuso de poder e violência policial. 12 agentes do Estado foram denunciados ao Ministério Público Estadual por abuso sexual, por exemplo. Cerca de 1.000 famílias despejadas até hoje não receberam indenizações previstas por danos morais, materiais e as humilhações que sofreram durante a desocupação. Os mais de mil processos andam a passos de tartaruga por força do próprio Estado e dos poderes locais. Poucos moradores chegaram a receber indenizações em 2013 – eles não representavam nem 10% do total de afetados.
Desde 2012, uma parte das ações permaneceu em São José dos Campos, mas algumas foram transferidas para a 18ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) no Fórum João Mendes. A mudança para a vara de São Paulo também dificultaria a presença das famílias em julgamentos.
No dia 03 de junho de 2017, cerca de 80 famílias retornaram ao terreno do Pinheirinho. O motivo: nova tentativa de ocupação. Após a expulsão de 2012, receberam auxílio-aluguel, que acabou cortado sem justificativas. Assim como cerca de 600 famílias da outra vez, saíram do terreno no mesmo dia após certo “diálogo” com a PM. Alega-se problemas documentais dessas famílias para não atendê-las no programa habitacional, sem diagnóstico real dos problemas.
O que aprendemos com o Caso Pinheiriho é que, por mais que a pressão popular por justiça social seja um grito uníssono, em muitos casos, a Justiça julga, sim, pela cor da pele e a classe socioeconômica, estando a favor do maior interesse do capital. Também é no meio do desespero da perda de direitos é que crescem os líderes movidos por interesses próprios e que a falta de articulação das políticas públicas e sociais tem como o objetivo de servir aos poderosos, produzindo, todos os dias, vítimas entre o povo. Uma lição, porém, também é certa: o poder e os direitos que tanto de almejam estão de fato na mão do mesmo povo vitimado por interesses econômicos.