As tentativas de implantação de um projeto cultural – no caso, um sarau de poesia e artes – sempre passa por situações curiosas. Em uma de nossas divulgações pela favela, um dos moradores, negou prontamente o convite: “– Sou evangélico”. Argumentamos que isso não era problema, mas foi possível perceber uma espécie de blindagem diante do convite para esta nova experiência.
Na mesma semana, o Corujão da Poesia em Ipanema homenageava Abdias do Nascimento. Ex-senador, dramaturgo (criador do teatro do negro), artista plástico e intelectual; internacionalmente respeitado pelo combate ao racismo. João Luiz, organizador do sarau, se recordava que Abdias recomendava alguns livros a todos que se propunham a participar realizar trabalhos em favelas, entre eles a Bíblia.
Se a linguagem religiosa toca tanto os cristãos, lembremos então que Jesus Cristo falava em parábolas. E o que são as parábolas senão uma forma poética de comunicar uma idéia? “Eis que o semeador saiu a semear”. Por meio de sua linguagem simples e causos do cotidiano, Jesus atravessava a superfície da razão fazendo florescer profundamente suas palavras de vida.
Evangélico não pode beber, mas o primeiro milagre de Cristo foi transformar água em vinho. Se o evangelho significa Boa Novae liberta o povo, que a religião não seja aquilo que prende cristão e o afasta do diferente. A palavra semente é sempre um convite. “Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça!”. A poesia boa nova, uma forma generosa de se comunicar, não de impor uma verdade ao ouvinte. O convite é o limite. E essa uma importante atitude a ser mantida na construção de um projeto social.
Os versículos são versinhos bem pequenininhos. O evangélico, no mínimo, um atento leitor de poesia. Sempre muito bem vindo ao trazer notícias do poeta mais popular e subversivo de todos os tempos que foi Cristo. Minha prece, a de que a nossa linguagem possa atravessar o caco de vidro da imagem, o arame farpado da moral e vingar tal qual vegetal entre paralelepípedos. Nosso projeto recém plantado de artes se dá ao pé de uma jaqueira, entre as comunidades da Babilônia e Chapéu Mangueira. Aos sábados às 17 horas.
Alice Paiva Souto – Psicóloga e poeta