O coletivo Poesia de Esquina, da Cidade de Deus, teve um evento embargado pela Prefeitura do Rio na noite desta segunda, 24. A favela ia receber na terça, 25, o Arraiá da Poesia de Esquina na Rua Edgard Cavalheiro, com diversas atrações locais. Os organizadores prometem recorrer da decisão, que é mais uma entre os muitos embargos sofridos por eventos culturais desde a assinatura do Decreto 43219, que limita a liberação de alvarás a uma comissão subordinada ao gabinete do prefeito Marcelo Crivella.
Uma grande festa prometia animar a Cidade de Deus ontem. Era a noite de retorno do Poesia de Esquina, coletivo que há cinco anos promove eventos culturais na favela toda última terça-feira do mês e que realizaria o Arraiá da Poesia de Esquina depois de um hiato de um semestre sem atividades. Mas um embargo do alvará da Prefeitura do Rio para a celebração mudou os planos. A festa teve que acontecer dentro do Bar do Tom Zé para evitar problemas. Grandes atrações da noite, o Quadrilhão da de Deus, que faria sua primeira apresentação ao público, e as barraquinhas que gerariam renda para muitos moradores da CDD tiveram que ficar de fora.
Os produtores do Arraiá da Poesia de Esquina relatam que o processo de autorização ficou mais burocrático desde o último evento do coletivo, realizado nos mesmos moldes em 31 de janeiro. O alvará saiu em dois dias no início do ano. Para o evento desta terça-feira, a resposta (negativa) da Consulta Prévia de Evento, uma espécie de um alvará de pré-avaliação, só veio dez dias após a solicitação. O pedido foi indeferido pela CET-Rio, que alega que a rua é de intenso movimento de veículos pesados e isso atrapalharia o trânsito da região. A resposta é contestada pela organização.
– Eu tenho autorização da UPP para fazer o evento, da R.A. (34ª Região Administrativa – Cidade de Deus). Fizemos um ofício e a empresa de ônibus estava ciente de que no horário determinado a rua seria fechada e os ônibus, desviados. Não tivemos contestação de nenhum deles, explica a produtora Letícia Cândido – A gente quer fazer tudo na legalidade. Estamos respeitando isso. Poderíamos simplesmente fechar a rua e fazer o evento. Como a gente tem responsabilidade, fizemos dentro do bar, deixando de mostrar pra Cidade de Deus e pra quem vem de fora que aqui tem coisas legais.
Na noite desta terça, as 200 pessoas esperadas para o Arraiá da Poesia de Esquina foram reduzidas a cerca de 20 bravos guerreiros. Artistas e poetas locais, como integrantes do grupo Arteiros da CDD, declamaram poesia no microfone aberto no estabelecimento. “Hoje é um dia de resistência da arte aqui”, afirmou o poeta Edson Veoca, antes de iniciar os trabalhos. O coletivo ainda pretende fazer o arraiá no mês que vem.
“Mesmo com tudo contra o nosso sarau, nós resistimos e fizemos uma linda declaração à cultura e à arte na Cidade de Deus”, resume Letícia.
Procurada, a CET-Rio alega que houve um erro no preenchimento do formulário e informou em nota que “a solicitação foi vetada no dia 19/07 por se tratar de fechamento na Rua Edgar Werneck, na altura do número 1695, num dia de semana, o que acarretaria problemas sérios à fluidez do trânsito”. A Secretaria Municipal de Fazenda, que é responsável pela emissão de alvarás, não se pronunciou até o fechamento desta publicação.
Burocracia e vetos pós decreto
A Prefeitura do Rio instaurou em maio o Decreto 43.219, que mudou os procedimentos para liberação de eventos pontuais, como festas, feiras e até gravações externas. A autorização fica a cargo de uma comissão subordinada ao gabinete do prefeito Marcelo Crivella, que pode vetar a realização e suspender até aqueles que já estejam em andamento.
A decisão causou polêmica entre os produtores culturais da cidade e afetou a liberação de festividades como a festa junina do Beco das Sardinhas Pois Era Noite de São João e o samba da Pedra do Sal. Desde o início do ano, a repressão a diversas rodas culturais por parte da Secretaria de Ordem Pública (Seop) também mobiliza a cultura por mudanças na política de autorização de eventos.
Em 19 de julho, a Prefeitura realizou uma audiência pública para explicar aos produtores culturais da cidade todos os pontos do decreto de instituição do sistema Rio Ainda Mais Fácil Eventos – RIAMFE, que prometia desburocratizar a liberação de alvarás. Cerca de 150 pessoas participaram do encontro.