O Presidente, Jair Bolsonaro, e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, durante coletiva de imprensa, sobre os dados do desmatamento divulgados pelo monitoramento ambiental do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia.

O Observatório da Mineração e o monitor socioambiental Sinal de Fumaça lançam hoje o relatório Dinamite pura: como a política mineral do governo Bolsonaro armou uma bomba climática e anti-indígena, material que traz uma linha do tempo do setor mineral e detalha o desmanche de órgãos regulatórios, violações de direitos, acordos escandalosos e outras medidas adotadas pelo ex-governo para satisfazer o lobby do mercado de minérios no país e no mundo.

A publicação resulta do trabalho das duas instituições que atuam no monitoramento da pauta mineral e da crise socioambiental brasileira. “Nos últimos quatro anos, a cobertura dos veículos de comunicação apresentou as faces de um governo autoritário e ineficaz. Nossa análise, porém, mostra que a gestão Bolsonaro foi muito eficiente em facilitar o acesso a terras e minérios”, declara Rebeca Lerer, coordenadora do Sinal de Fumaça.

Segundo ela, a “boiada” também passou no setor mineral, “ligada ao enfraquecimento do licenciamento socioambiental e ao descontrole no uso da terra, provocando a tragédia humanitária em curso nos territórios indígenas”.

Jogo de cúpula

Em um trabalho minucioso e investigativo, o Observatório da Mineração acompanhou de perto as articulações adotadas pelo governo Bolsonaro no âmbito nacional e internacional.

A cúpula do governo bolsonarista promoveu mudanças legais e infralegais que beneficiaram grandes mineradoras, fizeram explodir as redes criminosas do garimpo ilegal e colocaram instituições como o Ministério de Minas e Energia e a Agência Nacional de Mineração totalmente subservientes a interesses escusos, como investigações mostraram.

Destaques do relatório

Para Maurício Angelo, diretor do Observatório da Mineração e pesquisador do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília, pontos como as mudanças bruscas na legislação, a forte incidência do lobby de mineradoras e grupos empresariais do garimpo e a explosão de invasões em territórios indígenas sob a vista grossa do governo são alguns dos destaques do relatório.

A partir da cobertura feita pelo Observatório, o Dinamite Pura rememora fatos que ajudam a explicar como o país chegou a situações gravíssimas de influência corporativa, degradação ambiental e violações de direitos, e pontua como essa bomba climática e antiambiental não pode ser colocada somente na conta de Jair Bolsonaro.

Política criminosa começa com Temer

O ex-presidente engrossou e deu escala a medidas iniciadas na gestão de Michel Temer e as metas de aumento da participação do setor mineral no Produto Interno Bruto (PIB) dos atuais 3% para até 10%, como foi o objetivo expresso de Bolsonaro e Arthur Lira em articulação com parlamentares e órgãos da administração federal.

“O primeiro escalão do governo Bolsonaro estendeu um tapete vermelho para o lobby mineral em Brasília desde o início da gestão. As consequências para as populações atingidas direta e indiretamente e para o meio ambiente foram trágicas”, explica Maurício Angelo.

Nem Brumadinho parou o crime

Nem o crime da Vale em Brumadinho, ocorrido em janeiro de 2019, provocando a morte de 270 trabalhadores e vítimas, foi suficiente para barrar o que já estava engatilhado, resultando em impunidade para os responsáveis e na abertura do país para o lobby e troca de interesses.

De 2018 a 2022, o governo Bolsonaro ainda estreitou alianças com o garimpo ilegal em um movimento inédito na política brasileira, engajando governadores e parlamentares e aceitando apoio — financeiro, até — de empresários do garimpo.

O Monitor Socioambiental Sinal de Fumaça, que registrou fatos e movimentos relacionados às políticas socioambientais brasileiras durante os últimos quatro anos, se juntou ao Observatório da Mineração e contribuiu com a edição e organização cronológica dos acontecimentos.

Além de expor as articulações sofisticadas feitas entre o lobby do mercado de mineração, empresas internacionais e o governo federal a portas fechadas no Congresso Nacional, a publicação traz ainda um resumo das primeiras medidas adotadas pelo governo Lula e uma listagem com 20 sugestões iniciais para a retomada da governança pública e a redução dos impactos da mineração no país.

Desmonte climático na linha do tempo

2019

– O ano de 2019 foi o pontapé inicial para as principais movimentações do governo no setor mineral: a tragédia em Brumadinho (MG) sem punições práticas aos envolvidos no crime.

– Convite à exploração e a atividades minerais em terras indígenas e zonas de fronteira no maior e mais importante do mercado de mineração no mundo, o Prospectors & Developers Association of Canada (PDAC).

– Anúncio da meta de ampliação da mineração de urânio no país, passando por cima da Constituição Federal.

– Criação da Frente Parlamentar Mista da Mineração (FPM) no Congresso.

Grupo de trabalho lançado pelo governo para acelerar a tramitação e liberação de outorgas e concessões para mineradoras e ainda a instituição de uma força-tarefa para formalizar grupos de garimpo de ouro no estado do Pará.

2020

– A principal medida do ano de 2020 foi o envio do projeto de lei 191/2020, promessa de campanha de Bolsonaro, para liberar a mineração e exploração agrícola em terras indígenas, ignorando a Constituição Federal e desrespeitando os direitos territoriais das populações indígenas. Chamado de “PL da morte” por lideranças indígenas, o projeto de lei segue parado no Congresso.

– Proposta de guilhotina regulatória, um mecanismo criado pela Agência Nacional de Mineração com a consultoria da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), para cortar, desobstruir e avançar com a legislação em benefício do setor mineral e das grandes mineradoras.

– Reuniões com garimpeiros e parlamentares que pressionam pela atividade na Amazônia, a portaria assinada pelo governo definindo a mineração como atividade essencial em meio à pandemia de Covid 19 e mais o lançamento do Programa Mineração e Desenvolvimento.

2021

– O período foi marcado pelo forte lobby de empresários do garimpo, que nunca estiveram tão próximos das autoridades federais, até participando da agenda do ex-vice-presidente Hamilton Mourão.

– Com a criação de uma política de minerais estratégicos, o governo de Bolsonaro recebeu dezenas de projetos de empresas como Vale, Sul Americana de Metais, Potássio do Brasil, Belo Sun e outras, sem o envolvimento ou a avaliação de qualquer conselho ambiental ou do próprio Ministério do Meio Ambiente.

– O ano teve ainda a aprovação do PL 3729, pela Câmara dos Deputados, que enfraquece a política de licenciamento ambiental, abrindo caminho para outros desastres como o de Brumadinho.

2022

– A costura política para seguir apoiando grandes empresas e a exploração do patrimônio nacional, principalmente em território indígena, manteve o fôlego no Congresso em 2022, mesmo com o racha do grupo de deputados federais que prometeu entregar o texto do Novo Código de Mineração, encomendado por Arthur Lira e pelo ex-presidente Bolsonaro.

– No início do ano, o relatório destaca a aprovação de subsídios no valor de 3,3 bilhões de reais pelo governo para o financiamento de termelétricas que funcionam a carvão.

– Aprovação de dois decretos que favorecem o garimpo.

– Uso da guerra na Ucrânia como joguete político para a aprovação do PL 191/2020.

– Agenda de Bolsonaro com Elon Musk em um suposto trato para que Musk monitorasse a Amazônia, mas tendo como pano de fundo o interesse do empresário na exploração massiva de minerais críticos para o investimento no setor de veículos elétricos.

– Abertura dada por Bolsonaro ao mercado de lítio no país, mexendo com a geopolítica da América Latina e favorecendo diretamente grandes multinacionais como a Tesla, de Elon Musk.

– Os resultados das práticas governamentais ficaram explícitos no aumento do garimpo ilegal em terras indígenas em 632% de 2010 a 2021, de acordo com o Mapbiomas.

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