O Observatório da Mineração e o monitor socioambiental Sinal de Fumaça lançam hoje o relatório Dinamite pura: como a política mineral do governo Bolsonaro armou uma bomba climática e anti-indígena, material que traz uma linha do tempo do setor mineral e detalha o desmanche de órgãos regulatórios, violações de direitos, acordos escandalosos e outras medidas adotadas pelo ex-governo para satisfazer o lobby do mercado de minérios no país e no mundo.
A publicação resulta do trabalho das duas instituições que atuam no monitoramento da pauta mineral e da crise socioambiental brasileira. “Nos últimos quatro anos, a cobertura dos veículos de comunicação apresentou as faces de um governo autoritário e ineficaz. Nossa análise, porém, mostra que a gestão Bolsonaro foi muito eficiente em facilitar o acesso a terras e minérios”, declara Rebeca Lerer, coordenadora do Sinal de Fumaça.
Segundo ela, a “boiada” também passou no setor mineral, “ligada ao enfraquecimento do licenciamento socioambiental e ao descontrole no uso da terra, provocando a tragédia humanitária em curso nos territórios indígenas”.
Jogo de cúpula
Em um trabalho minucioso e investigativo, o Observatório da Mineração acompanhou de perto as articulações adotadas pelo governo Bolsonaro no âmbito nacional e internacional.
A cúpula do governo bolsonarista promoveu mudanças legais e infralegais que beneficiaram grandes mineradoras, fizeram explodir as redes criminosas do garimpo ilegal e colocaram instituições como o Ministério de Minas e Energia e a Agência Nacional de Mineração totalmente subservientes a interesses escusos, como investigações mostraram.
Destaques do relatório
Para Maurício Angelo, diretor do Observatório da Mineração e pesquisador do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília, pontos como as mudanças bruscas na legislação, a forte incidência do lobby de mineradoras e grupos empresariais do garimpo e a explosão de invasões em territórios indígenas sob a vista grossa do governo são alguns dos destaques do relatório.
A partir da cobertura feita pelo Observatório, o Dinamite Pura rememora fatos que ajudam a explicar como o país chegou a situações gravíssimas de influência corporativa, degradação ambiental e violações de direitos, e pontua como essa bomba climática e antiambiental não pode ser colocada somente na conta de Jair Bolsonaro.
Política criminosa começa com Temer
O ex-presidente engrossou e deu escala a medidas iniciadas na gestão de Michel Temer e as metas de aumento da participação do setor mineral no Produto Interno Bruto (PIB) dos atuais 3% para até 10%, como foi o objetivo expresso de Bolsonaro e Arthur Lira em articulação com parlamentares e órgãos da administração federal.
“O primeiro escalão do governo Bolsonaro estendeu um tapete vermelho para o lobby mineral em Brasília desde o início da gestão. As consequências para as populações atingidas direta e indiretamente e para o meio ambiente foram trágicas”, explica Maurício Angelo.
Nem Brumadinho parou o crime
Nem o crime da Vale em Brumadinho, ocorrido em janeiro de 2019, provocando a morte de 270 trabalhadores e vítimas, foi suficiente para barrar o que já estava engatilhado, resultando em impunidade para os responsáveis e na abertura do país para o lobby e troca de interesses.
De 2018 a 2022, o governo Bolsonaro ainda estreitou alianças com o garimpo ilegal em um movimento inédito na política brasileira, engajando governadores e parlamentares e aceitando apoio — financeiro, até — de empresários do garimpo.
O Monitor Socioambiental Sinal de Fumaça, que registrou fatos e movimentos relacionados às políticas socioambientais brasileiras durante os últimos quatro anos, se juntou ao Observatório da Mineração e contribuiu com a edição e organização cronológica dos acontecimentos.
Além de expor as articulações sofisticadas feitas entre o lobby do mercado de mineração, empresas internacionais e o governo federal a portas fechadas no Congresso Nacional, a publicação traz ainda um resumo das primeiras medidas adotadas pelo governo Lula e uma listagem com 20 sugestões iniciais para a retomada da governança pública e a redução dos impactos da mineração no país.
Desmonte climático na linha do tempo
2019
– O ano de 2019 foi o pontapé inicial para as principais movimentações do governo no setor mineral: a tragédia em Brumadinho (MG) sem punições práticas aos envolvidos no crime.
– Convite à exploração e a atividades minerais em terras indígenas e zonas de fronteira no maior e mais importante do mercado de mineração no mundo, o Prospectors & Developers Association of Canada (PDAC).
– Anúncio da meta de ampliação da mineração de urânio no país, passando por cima da Constituição Federal.
– Criação da Frente Parlamentar Mista da Mineração (FPM) no Congresso.
– Grupo de trabalho lançado pelo governo para acelerar a tramitação e liberação de outorgas e concessões para mineradoras e ainda a instituição de uma força-tarefa para formalizar grupos de garimpo de ouro no estado do Pará.
2020
– A principal medida do ano de 2020 foi o envio do projeto de lei 191/2020, promessa de campanha de Bolsonaro, para liberar a mineração e exploração agrícola em terras indígenas, ignorando a Constituição Federal e desrespeitando os direitos territoriais das populações indígenas. Chamado de “PL da morte” por lideranças indígenas, o projeto de lei segue parado no Congresso.
– Proposta de guilhotina regulatória, um mecanismo criado pela Agência Nacional de Mineração com a consultoria da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), para cortar, desobstruir e avançar com a legislação em benefício do setor mineral e das grandes mineradoras.
– Reuniões com garimpeiros e parlamentares que pressionam pela atividade na Amazônia, a portaria assinada pelo governo definindo a mineração como atividade essencial em meio à pandemia de Covid 19 e mais o lançamento do Programa Mineração e Desenvolvimento.
2021
– O período foi marcado pelo forte lobby de empresários do garimpo, que nunca estiveram tão próximos das autoridades federais, até participando da agenda do ex-vice-presidente Hamilton Mourão.
– Com a criação de uma política de minerais estratégicos, o governo de Bolsonaro recebeu dezenas de projetos de empresas como Vale, Sul Americana de Metais, Potássio do Brasil, Belo Sun e outras, sem o envolvimento ou a avaliação de qualquer conselho ambiental ou do próprio Ministério do Meio Ambiente.
– O ano teve ainda a aprovação do PL 3729, pela Câmara dos Deputados, que enfraquece a política de licenciamento ambiental, abrindo caminho para outros desastres como o de Brumadinho.
2022
– A costura política para seguir apoiando grandes empresas e a exploração do patrimônio nacional, principalmente em território indígena, manteve o fôlego no Congresso em 2022, mesmo com o racha do grupo de deputados federais que prometeu entregar o texto do Novo Código de Mineração, encomendado por Arthur Lira e pelo ex-presidente Bolsonaro.
– No início do ano, o relatório destaca a aprovação de subsídios no valor de 3,3 bilhões de reais pelo governo para o financiamento de termelétricas que funcionam a carvão.
– Aprovação de dois decretos que favorecem o garimpo.
– Uso da guerra na Ucrânia como joguete político para a aprovação do PL 191/2020.
– Agenda de Bolsonaro com Elon Musk em um suposto trato para que Musk monitorasse a Amazônia, mas tendo como pano de fundo o interesse do empresário na exploração massiva de minerais críticos para o investimento no setor de veículos elétricos.
– Abertura dada por Bolsonaro ao mercado de lítio no país, mexendo com a geopolítica da América Latina e favorecendo diretamente grandes multinacionais como a Tesla, de Elon Musk.
– Os resultados das práticas governamentais ficaram explícitos no aumento do garimpo ilegal em terras indígenas em 632% de 2010 a 2021, de acordo com o Mapbiomas.
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