“Não acabou! Tem que acabar! Eu quero o fim da Polícia Militar!”
A desmilitarização da polícia (e também da política) é um tema que envolve toda sociedade (ou pelo menos deveria). O primeiro ponto desta coluna é explicar o que é a polícia militarizada e como ela surgiu.
Diferente do que todos pensam a polícia militar não surgiu na ditadura militar (1964 – 1984), surgiu muito antes, lá no século XIX, imitando a guarda real portuguesa, por ordem do Rei Dom João VI que desejava uma polícia que protegesse a corte nos mesmos moldes no exército português.
Com descontentamento da população brasileira e as revoltas populares (Farrapos e Balaida) contra o governo vigente, a Guarda Militar Portuguesa também – conhecida como Guarda do Rei -, ganhou novas atribuições, a partir de um decreto assinado pelos regentes que governavam junto a Dom Pedro II (ainda sem idade para assumir o trono), a Guarda Militar se torna permanente em todos os municípios e sua principal tarefa é conter as revoltas populares contra o Império.
Sem grandes mudanças somente em 1946 na constituição do Estado Novo, que a Polícia Militar é padronizada e em 1964 durante a Ditadura Militar passa a ser comanda pelo Exército, com uma única hierarquia e com intervenção do militar e é assim que ela permanece até os dias de hoje.
Uma polícia militarizada, como seu nome já diz, é um polícia que segue o modelo militar de organização, ou seja, hierarquia, centralização decisória e rigidez. Que são justificáveis em contexto de guerras, (não há como realizar uma assembléia com todos os soldados e corpo militar para decidir qual ação tomar em uma guerra) são necessárias obediência e pronto emprego (Capacidade de atuar com rapidez em qualquer ambiente operacional em uma área estratégica previamente definida).
Mas por que temos uma polícia com características para o enfrentamento bélico dentro das cidades?
De acordo com a Constituição Federal, em seu artigo 144, é responsabilidade da Polícia Militar (PMS), o policiamento ostensivo (controle da população em aglomerações públicas, mandados de busca e apreensão, blitz e revistas) e preservação da ordem pública, isso significa fiscalizar e coibir ações ilícitas de forma imediata, prevenção de crimes e orientar cidadãos a seguirem a legislação.
A PM deve atuar de forma visível (com uniformes, viaturas caracterizadas ao longo do texto explicarei o Serviço de Inteligência Militar – os P2). Ainda segundo a Constituição Federal a PM dividiram-se em duas categorias os praças (soldados) classificados por graduações e os oficiais, classificados por postos.
Assim como no Exército os policiais militares, não são mais pessoas civis, ou seja, abrem mão muitos de seus direitos como, por exemplo, não podem se organizar em sindicatos, fazer greves, quando em atividades são proibidos participar de partidos políticos (Art. 142, § 2º e § 3º, incisos IV e V).
Os PMs respondem ao governo estadual por meio da Secretaria de Segurança Pública que subordinada à União mas mesmo assim a Polícia Militar é subordinada ao Exército Brasileiro, isso quer dizer que em qualquer momento o Exército pode requisitar a PM, como por exemplo em situações de estado de emergência ou de sítio (quando são suspendidos temporariamente os direitos do cidadão e os Poderes Legislativo e Judiciário ficam submetidos ao Executivo, para defesa da ordem pública).
Percebemos que a própria constituição legisla para o fracasso de uma polícia humanizada e para o povo. Podemos dizer que há quatro tipos de polícias nas cidades: A Polícia Militar – divida em PM dos soldados e PM dos oficiais e a Polícia Civil – dividida da mesma forma. (De uma maneira simplificada a diferença das funções da Polícia Militar para Polícia Civil: a Polícia Militar preocupa-se com os atos ilícitos em andamento ou que recém aconteceram, e a Polícia Civil cuida das infrações que já ocorreram e precisam de investigação e identificação dos suspeitos.)
Ao dividirem as formas de ingresso na carreira e adotar formas rígidas de hierarquia inflexíveis cria-se uma tensão dentro das próprias corporações, situação que é agravada pela proibição de organização sindical (se não há representantes da categoria e por regras internas não podem contradizer seus oficiais e os oficiais respondem diretamente ao governo vigente, a categoria não tem voz), se os policias militares não podem investigar apenas prender em flagrante (o caso dos P2 – policiais a paisana, são casos específicos onde é necessário que a ação ocorra de forma secreta, para que informações imprescindíveis sejam adquiridas – como rotas em favelas ou/e em manifestações públicas que podem ir contra os interesses do governo vigente), com todas as restrições e a pressão da sociedade, da mídia e do governo para que a polícia militar de resultados resta a PM exercer á única função conferida a ela: prender em flagrante, em espaços públicos que possam ser identificados pelos cinco sentidos.
Ou seja, não estamos falando de maiores crimes e mais onerosos para população (colarinho branco, grandes traficantes de armas e drogas), estamos falando do projeto de enceramento brasileiro: pessoas pobres, negras e defesas do patrimônio privado. Ao gritar pelo fim da Polícia Militar, defendemos a base da sociedade e também os policiais (que na sua grande maioria são soldados e pertencem à base da sociedade também).
“Não acabou! Tem que acabar! Eu quero o fim da Polícia Militar!”
É a síntese de três pontos cruciais para população e para criação de uma segurança pública inteligente e humanizada. Primeiro a carreira única – mesma forma de ingresso e ascensão profissional de acordo com trabalhos realizados (hoje oficiais e soldados ingressam por sistemas diferentes e um soldado mesmo com tempo de carreira não se torna oficial), não faz sentido um profissional que muitas das vezes nunca esteve em campo começar no comando de corporações.
E também gera muito mais respeito e admiração pelos comandantes se os soldados tiverem a oportunidade de chegar o mesmo posto. (hoje tanto na policia civil quanto na militar os cargos de oficiais são em geral ocupados por pessoas das elites econômicas – pessoas que puderam cursar uma faculdade de direito e cursos precatórios, que entram ganhando salários muito maiores do que policiais com mais de dez anos de carreira e formação na área).
O segundo ponto é forma de gestão da polícia militar, a militarização entende todas as ações como inimigo externo, como atividades de conquista (uma favela é vista como território que deve ser conquistado) a gestão feita pelo Exercito tira a possibilidade da polícia se organizar como categoria entender e aprimorar seus direitos e deveres e impede que a PM possa agir como uma instituição multidisciplinar garantindo respeito e formação para tropa como a comunidade.
E terceiro e último ponto e o ciclo único, policiais que possam investigar e agir e não apenas tenha que produzir resultados sem provas e seguindo ordens sem concordar!
Esses são os primeiros três passos de um processo longo de adaptação e formação de uma segurança pública democrática e respeitosa!
“Não acabou! Tem que acabar! Eu quero o fim da Polícia Militar!”