“Como existe gente que tem o que dizer e não consegue, porque tem nó na garganta e não sabe desfazer.”
Enquanto conversava com uma amiga pelo Facebook, as palavras surgiam parecendo não fazer sentido algum. Era um emaranhado de sentimentos grudados na garganta e que eu despejava em tom de poema, mas sem nenhum tipo de doçura, apenas indignação e angústia.
Quando aceitei escrever para esse portal, me questionei se realmente teria o que dizer. Foi quando um amigo me disse: “Todo mundo tem o que dizer o tempo inteiro. É preciso saber apenas como dizer”.
Eu nunca acreditei que seria uma tarefa fácil. Me propus a falar apenas de coisas positivas: autoestima, mulheres e como empoderar os nossos.
Falhei!
Falhei desde o primeiro dia. Todas às vezes que escrevia coisas positivas, me questionava se, por ventura, não soaria um tom fora da realidade.
Queremos parar de contar histórias tristes. A paz que nos falam, da passeata e camisa branca, onde soltamos a pomba e marchamos, é bonita na TV. A mesma TV que retrata a guerra contra nossos corpos negros fuzilados, nossos corpos favelados. Você sabe como é caminhar com a cabeça na mira de uma HK?
Falaram pra mim, esses dias, que brigamos demais, discutimos demais, queremos mudanças demais. Disseram que as coisas estão melhores, mas não param de matar os nossos. A gente mal consegue contabilizar os corpos pelo chão.
“Seus textos são pesados demais, saia dessa linha. A vida não é apenas tristeza e dor”, tentou me fazer enxergar por um outro ponto de vista, uma dessas pessoas.
E seguimos. Uma vez ou outra compramos carne, carvão, enchemos a piscina e juntamos os amigos e vizinhos da vila para um churrasco. É dia de festa e o som do samba nos faz esquecer a rotina pesada.
Será? Será que faz esquecer mesmo? Ou nos anestesiamos pelo álcool que socialmente nos chega para aliviar a dor de lidar com a realidade?
Eu mesma, esses dias, depois de dois comprimidos não fazerem efeito, optei por uma taça de vinho para relaxar. Não funcionou. Tentativa frustrada.
A gente decide começar nosso dia bem, refazer nossa trajetória, mas isso não tem durado muito. Se conquistamos um espaço e chegamos a um lugar de poder, de mudar as leis que fizeram em um país totalmente contra nós, fazem questão de nos aniquilar.
14 de março de 2018.
Eu estava no banho depois de um dia produtivo e uma semana incrivelmente mais tranquila. Eu me preparava para escrever sobre a felicidade de assistir Pantera Negra no cinema, Raio Negro na Netflix e ver de perto a estreia de uma programa comandado por três mulheres querendo assunto. Saí com a sensação de que todos vestimos armaduras uma vez ou outra.
Era uma semana para comemorar e ainda é.
Fui interrompida por batidas na porta do banheiro. Saí meio sem entender se aquilo era real. Não parecia. Em nossa cabeça, quantas outras das nossas, inclusive, poderiam ter sido exterminadas também.
Peguei o telefone desesperada.
– Liga, verifica, busca saber se fulana estava lá também. Como que está? Em segurança? Viva?
Procura saber se era a fulana no carro com ela. Não era! Ainda tô em choque que poderia ser uma de nós e foi um pouco de cada um de nós também.
A gente luta realmente pra morrer? É esse nosso ciclo?
Pensei em desistir, confesso, mas quando me perguntam porque continuo indo às escolas ou quando alguém me cospe que não existe genocídio, eu respondo com as estatísticas. INFELIZMENTE a gente não consegue contar os números de forma real. Afinal, quantos corpos a gente nem fica sabendo que foram exterminados?
O que fica é o legado que vamos carregar sempre. RESISTÊNCIA!
Mesmo sabendo que dessa vez não foi a primeira e não será a última a pagar com a vida. Eu escolho não me calar e agora com mais certeza disso.
E como bem disse outra amiga: “Hoje é dia de tristeza, mas amanhã é dia de estratégia. ”
O amanhã já chegou e é agora. Afinal, “eu sou, porque nós somos!”