Por que o governo não quer te deixar pensar?

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Desde a tomada de posse do presidente Jair Bolsonaro, em janeiro desse ano, os pilares do desenvolvimento – antes baseados em educação, saúde e cultura – têm sofrido duros golpes. Desde sua campanha presidencial, Bolsonaro deixa claro o seu desprezo pelos moldes educacionais brasileiros. Prometendo extirpar Paulo Freire das escolas e “deixando os historiadores pra lá”, em relação à sua negativa em acolher a unanimidade do golpe militar e insistir em chamá-lo de “revolução democrática”, o atual presidente vem colocando em prática muito da sua ideologia no que concerne às escolas brasileiras.

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A educação brasileira já vinha sofrendo cortes e ataques desde o último governo Temer, que durou até dezembro de 2018, com a reforma no Ensino Médio, que atingiu profundamente as disciplinas de ciências humanas. Com a troca de governo, a situação recrudesceu drasticamente. Verdade seja dita, as gafes da nova gestão referentes à educação foram inúmeras. Depois de defender o ensino à distância (EAD) desde o ensino fundamental, Bolsonaro decretou o fim das faculdades de Filosofia e Sociologia, alegando que a escola deve ensinar a “leitura, escrita e a fazer conta e depois um ofício que gere renda para a pessoa”, defendendo severamente a ideologia de educação tecnicista, forte característica dos governos da ditadura militar no Brasil (1964-1985). Não satisfeito, ele promoveu os famosos cortes das bolsas de pesquisa do Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior), o que atacou diretamente os programas de pós-graduação das Universidades Federais. A população reagiu, inflamando atos pelo Brasil inteiro no último dia 15 de maio.

Que Bolsonaro está favorecendo o desmonte da educação pública, isso é claro. A pergunta é: por quê? A ideia de seus mandos e desmandos nessa área é a de que a educação, seja ela básica ou em nível superior, serve apenas para que você tenha uma renda. Que o trabalho imediato é que importa. De que o importante é trabalhar – pro resto da vida, segundo sua nova reforma da Previdência, e sem respaldo do governo, já que não há mais Ministério do Trabalho. De que não é importante estudar filosofia, sociologia ou história, ou chegar ao ensino superior, porque o que importa mesmo é ler, escrever e fazer conta. Na verdade, o que está sendo dito é: o importante é não pensar.

Não pensar implica em uma porção de facilidades. Te faz ganhar dinheiro em empregos fáceis, mecânicos, com pouco esforço mental e uma rotina extenuante, porém fixa. É aquilo: trabalhar numa obra, ou como vendedora, ou como marceneiro, pintor, sapateiro, faxineira, doméstica, costureira, receber o seu ordenado todo mês e voltar pra casa, certo de que cumpriu sua função. Você provavelmente não vai viver no luxo, mas o importante é não passar fome. Mas o que mais interessa é que você não vai questionar.

Talvez, se você desviasse um pouquinho desse caminho, por exemplo, você seria costureira, mas cursaria uma faculdade de Moda. Provavelmente, na sua universidade, estudaria a história da moda e qual é a sua função social, as funções da indústria cultural e como as roupas devem servir à um determinado propósito, mesmo que o consumidor final não saiba disso. Iria dialogar com estudos sociais, antropológicos e históricos, que lhe dariam uma visão aberta sobre o comportamento humano, como ele vive em sociedade e que consequências do passado lhe fariam decidir se ele vai querer uma calça de alfaiataria, um jeans ou um macacão vintage. E você, mesmo que permanecesse costurando, nunca mais faria uma bainha da mesma forma que antes.

O principal mesmo, é que todos os seus estudos de moda e estilo te influenciariam não só como profissional, mas também – E PRINCIPALMENTE – enquanto cidadã. Você não aceitaria que um político lhe prometesse apenas um emprego. Talvez antes, quando você era só costureira, até poderia servir. Mas agora você quer mais. Quer um emprego, qualidade de vida, acesso ao lazer, à cultura, à cidade, porque passou a entender que isso também é importante. Quer melhorias no transporte público, porque entende como se locomover não é só uma questão de espaço, mas sim de privilégio social. Quer ter acesso à livros e filmes a baixo custo, uma boa biblioteca pública. Quer escolas melhores, para que você possa permanecer estudando o que gosta. É justamente isso que o governo não quer de você.

Isso piora consideravelmente se o sujeito – você – for pobre, ou favelado. Se for mulher, piora mais um pouquinho (mulher deve receber menos porque engravida, lembra?). Se for negro, piora mais ainda (quantas “arrobas” devem piorar mesmo?). Porque você tem que se preocupar em ganhar dinheiro da mesma maneira. Mas você é a maioria do brasileiro. É o voto mais necessário. E é justamente por isso que eles vão tentar tornar cada vez mais difícil o teu acesso à um ensino superior de qualidade, principalmente se for nas áreas de humanas.

A filosofia, sociologia e a história te ensinam o pensamento crítico, o questionamento. Com eles, você se pergunta por que um governo quer acabar com as pesquisas de seu próprio país. Por que o presidente quer armar a população, ao invés de investir na inteligência e estratégia da segurança pública. Por que o Ministério do Trabalho acabou. Por que você só vai poder se aposentar com 70 anos. Por que o governo quer uma reforma trabalhista que enterre os seus direitos de trabalhador. Por que o assassino de Marielle Franco é vizinho do presidente. Por que isso tudo tá acontecendo. Uma educação básica com ciências humanas de qualidade e um investimento forte na pesquisa acadêmica brasileira gera uma pergunta que o governo teme: POR QUÊ?

         

  Se contentar com um salário mínimo por mês e achar que tá tudo bem é abrir mão da sua capacidade de perguntar o porquê. Abrir mão do sonho da universidade, mesmo (e principalmente) que ela seja de humanas, é dizer que essa capacidade não é importante. Que tá tudo bem ser massa de manobra do governo. Que não tem problema algum em não ver perspectiva no estudo.

O problema existe. Um desmonte da educação brasileira existe. A falta de emprego existe. A falta de qualificação profissional existe. A chance de você, doméstica, não conseguir fazer com que a sua filha seja universitária, existe. Você só tem de se perguntar: por quê?