Por ser Negra

Semana passada vimos mais um triste episódio de racismo explícito cometido em uma agência bancária de uma grande e forte instituição financeira. Uma funcionária do Banco Itaú, se dizendo desconfiada do documento de identidade apresentado pela blogueira e empresária, Lorena Vieira, chamou a polícia para a mesma durante seu atendimento. Mas, antes deste ocorrido, o banco já tinha bloqueado a conta corrente da empresária por desconfiar das movimentações financeiras, dizendo que eram suspeitas. Lorena, tinha ido até agência para sacar apenas 1.500 reais de sua conta.

Em um vídeo gravado em uma de suas redes sociais, a blogueira relata que a funcionária à pediu para que aguardasse enquanto ela iria ao banheiro. A mesma ainda diz, que ficou aguardando por muito tempo e que achou estranho, e se assustou ao ver polícias civis entrando na agência, indo em sua direção. Lorena Vieira foi conduzida a delegacia para prestar esclarecimentos, e ainda segundo relatos dela, após responder diversas peguntas, foi liberada. A empresária e blogueira, demonstrou muita indignação com o fato ocorrido, dizendo estarcompletamente devastada.

Em nota, o Banco Itaú pediu desculpas a Lorena, e disse que foi feito um procedimento comum, quando há suspeitas, e foi para própria segurança da cliente, evitando assim, uma fraude em sua conta corrente. Que a foto da identidade apresenta pela mesma estava muito diferente dela, pois no documento ela está de cabelos lisos. 

Já, a Polícia Civil em uma primeira nota disse que a identidade era verdadeira e que não havia encontrado nada de errado com o documento apresentado na delegacia. Mas, mudou a versão após a grande repercussão do caso nas redes e a divulgação do vídeo de desabafo feito por Lorena Vieira. Depois, em uma segunda nota, a instituição disse que o documento apresentado por ela era falso e que iriam investiga-la por falsidade ideológica e por fraude.

Em uma surpreendente e rápida perícia no documento, em que até o DETRAN prestou esclarecimentos, enviando uma nota a imprensa declarando que a foto não é de Lorena Vieira, que não foi emitido nenhum documento documento de identidade para ela na data que está impressa no mesmo, e que o posto emissão não existe. Que a mesma estaria usando uma identidade falsificado para movimentar conta corrente. Ou seja, o que eles nos “esclareceram”, é que a empresária e blogueira, Lorena Vieira tentou fraudar sua própria conta corrente, falsificou o seu próprio documento para roubar a si própria e o Banco Itaú, que aliás, manteve a nota de pedido de desculpas, preocupou-se em protegê-la dela mesma. Isso que é um atendimento bem personalizado, ou melhor dizendo, um atendimento personalité, (rsrs). 

E fico eu me perguntando e tentando entender, que tipo de pessoa é capaz de falsificar seu próprio documento para fraudar sua própria conta corrente e roubar a si mesma? Isso é algo surreal, extrapola todos os limites do absurdo! Mas, acho que foi a única desculpa esfarrapada que a eficiente Polícia Civil encontrou para tentar limpar a imagem do Banco Itaú, que não é ‘feito pra você’, que é preta ou que é preto

Então, agora vamos voltar lá trás num passado, que não está tão distante assim. Entre os meses de junho e julho de 2017, Fabrício Queiroz, ex-assessor do agora senador Flávio Bolsonaro, para esconder um dinheiro adquirido de forma ilícita, as chamadas rachadinhas, que ocorriam no gabinete de Flávio quando ele era deputado estadual, fez 48 depósitos no valor de 2 mil reais cada, em um caixa eletrônico de agência do Banco Itaú, que fica dentro da Alerj, na conta corrente de seu assessorado. E isso não causou estranheza ao banco? Não chamou a atenção de nenhum gerente? O valor do montante, que totalização 96 mil reais, era muito superior aos 1.500 reais que Lorena Vieira tentou sacar. Não seria o caso também de chamar a polícia, e de preferência, a Federal? Ou esse tipo de proteção dada pelo Itaú, tem classe, gênero, origem e cor de pele específicos? Não seria o caso também, do banco proteger Flávio Bolsonaro da fraude feita pelo seu assessor, Fabrício Queiroz em sua conta corrente? Talvez, por eles serem brancos, não precisassem da proteção contra fraude.

E esta não é a primeira vez que o Banco Itaú se envolve em episódios de casos de racismo. Em dezembro de 2006, Jonas Eduardo Santos de Souza, 35 anos foi morto por um segurança na porta da agência localizada entre a Avenida Rio Branco e a Rua Nilo Peçanha, Centro da Cidade do Rio de Janeiro. E segundo relatos de testemunhas, os dois homens tiveram uma forte discussão, devido Jonas ter sido barrado diversas vezes na porta giratória, mesmo após ter retirado todos os objetos que travavam a mesma, e  em seguida, o agente pedir-lhe que retirasse o cinto. Quando o mesmo conseguiu entrar, os dois se agrediram fisicamente, e o segurança sacou sua arma e disparou 4 tiros no rapaz, que morreu na hora, ali mesmo no local. 

Seu irmão, relatou a época, que ele era correntista do Banco Itaú há algum tempo, e vinha reclamando deste segurança. Não vou chamar de coincidência, mas, Jonas Eduardo Santos de Souza, também era negro e de cabelos crespos.

Na época da tragédia, o Itaú emitiu uma nota lamentando o caso, que eles chamaram de incidente, que isso era uma situação completamente imprevisível, que as equipes de segurança eram sempre treinadas para um melhor relacionamento com os clientes. Mas a instituição não esclareceu quais os tipos de clientes os seguranças das agências devem ter um bom relacionamento e quais deve barrar na porta e se for o caso, chamar a polícia ou até mesmo, atirar pra matar. Mas, isso todos nós já sabemos, é só olhar a cor dos funcionários que estão nos atendimentos, e a cor dos correntistas que entram sem serem barrados. 

O Banco Itaú não é o único a tomar o que eles chamam de “medidas protetiva ou preventiva de segurança” em que os negros são sempre vistos como os, digamos assim, os malfeitores, os vilões e precisam ser excluídos. Casos de racismo explícito em lojas, restaurantes, transportes, locais públicos em geral, são denunciados nas redes sociais todos dias e quando levados a delegacias, são registrados como injúria racial, que é um crime leve e não dá praticamente em nada, os agressores racistas sempre saem ilesos, um pedido de desculpas é o suficiente para dar o caso por encerrado. Tratam naturalmente como sendo mais um mimimi de gente preta, e não tem tanta importância quando é um negro relatando o abuso sofrido. 

No caso de Lorena Vieira, a funcionária do Banco Itaú não desconfiou da autenticidade de seu documento, ela expressou o seu real pensamento, que é o de uma grande parte de pessoas brancas. Para eles, é impossível uma mulher negra ser uma empresária bem sucedida, ter uma conta bancária com um valor razoável, ou até mesmo, um valor alto, ter seu próprio carro e uma boa casa própria, confortável, bem montada e decorada. Ainda vêem as mulheres negras como subservientes, como meras empregadas domésticas, a tia do café, a moça da faxina, a mulata tipo exportação, e pior, a mulher do traficante, mas não aquele traficante branco, com nível superior, pós dourado em universidades estrangeiras, que mora nos condomínios de luxo, frequenta bons restaurantes, que toma champangne francês, vinhos caros e come caviar, anda de jatinho ou helicóptero pra lá e pra cá, e que é chamado de empresário. Estou falando daquele que é preto, pobre e favelado (ppf), e  que está no alto do morro portando fuzil, com baixa instrução, que engole em poucos segundos a quentinha comprada ali mesmo em uma vendinha, que toma as pressas um refrigerante de uma marca barata qualquer e que não sai do seu reduto por nada, a não ser dentro de uma viatura da polícia vivo ou morto. É este, o traficante, que para eles é o padrão. 

Portanto, a funcionária do Itaú, não viu ali na sua frente a empresária Lorena Vieira, mas sim, a mulher do DJ Rennan da Penha, que foi preso e condenado por associação para tráfico de drogas. Ela não viu a mulher de um homem negro, DJ bem sucedido, que concorreu ao Prêmio MultiShow, sendo o vencedor, o artista indicado ao Grammy Latino. Nada disso foi visto pela funcionária e não é visto por nenhum racista, que só vê e enxerga os negros como seres inferiores, incapazes de ocupar posições que antes  eram ocupadas somente por homens brancos e mulheres brancas. 

Quando alguma mulher negra ou algum homem negro rompem estas barreiras e passam a ocupar os mesmos espaços que os brancos, causa não só um incomodo a eles, mas, também, causa revolta e ódio. E esses sentimentos foram claramente demonstrados nas manifestações para derrubar o governo da Ex-Presidenta Dilma Rousseff em 2016 e tirar de vez o Partido dos Trabalhadores (PT) do poder. Não, o problema não foram as pedaladas fiscais de Dilma, não foram o sítio de Atibaia e muito menos o triplex do Guarujá do Ex-Presidente Lula. Nada disso gerou revolta na elite branca. O que os incomodou na verdade, foi o PT ter dado oportunidade dos pretos, pobres e favelados de ocuparem os mesmos espaços que eles. O ódio ao partido, foi pelo fato de terem que ver seus filhos dividindo a faculdade com o filho da empregada, ou até mesmo com a própria, pois muitas domésticas voltaram aos bancos escolares e também entraram para universidades. Pois é, muitos perderam a secretária do lar. 

Foi também o fato de de terem que passear num shopping lotado gente que antes só eram vistas os servindo e agora entram nas mesmas lojas para comprar, foi o fato de divir os aeroportos, e alguns já até declararam nas redes sociais que os mesmos estão parecendo rodoviária, pois estão cheios de gente mal vestida e calçando chinelos. Esses são os principais motivos do ódio ao PT, para eles corrupção é menor dos problemas no país. Mas, uma mulher negra é um homem negro acenderem e chegarem a um lugar de destaque, é muito pior, sendo uma afronta aos elitistas.

E esse revoltante episódio de racismo explícito, me trouxe a memória o poema belíssimo da poeta e ativista peruana, Victoria Santa Cruz. O poema Gritaram-me Negra é um verdadeiro grito de desabafo, e autora descreveu com total perfeição o que é ser negra e principalmente, o que é ser uma mulher negra em qualquer lugar do mundo. Como os racistas nos vêem, qual é o padrão de beleza que eles determinaram para os negras e as negros serem aceitos por eles. E qual é preço a ser pago quando essas imposições não são cumpridas. 

Todas as vezes que ouço esse poema de Victoria Santa Cruz me emociono muito, pois eu, como mulher negra e favelada que sou, sempre que estou em lugar de maioria branca, pelos olhares que me lançam, é como se ouvisse eles gritarem bem alto, NEGRA! […] “Que coisa é ser negra?” Negra sim, e daí?  

Mas, se olho para os lados e vejo mais alguma negra, logo penso; não vamos mais retroceder, não vamos mais alisar os cabelos e muito menos passarmos pó na cara para entrar em nenhum lugar de maioria branca. Que gritem NEGRAS! Porque NEGRAS somos!

 

 

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Carla Regina
Sou estudante do último período da faculdade de Jornalismo, gosto muito de ler e de escrever. Me acho simpática, pelo menos é o que me dizem as pessoas quando me conhecem, mas creio que eu seja sim, pois adoro fazer novas amizades e conservar as antigas. Comunicativa, dinâmica e muito observadora, um tanto polêmica. Gosto muito de trabalhar em equipe, mas, dependendo da situação, a minha companhia para trabalhar também é ótima. Pois, na minha opinião, a solidão aguça a criatividade, fazendo com que a mente e os pensamentos fluam um pouco melhor. Comecei a trabalhar muito nova, ainda quando criança e já fiz muita coisa na vida, mas meu sonho sempre foi ser Jornalista e Historiadora, cheguei a ter muitas dúvidas de qual faculdade cursar primeiro, já que para mim as duas carreiras são maravilhosas. Então, resolvi entrar primeiro para o Jornalismo e no decorrer do curso percebi que cursar a faculdade de História não era só uma paixão, mas também uma necessidade para linha de jornalismo que que pretendo seguir. Como sou muito observadora e curiosa, as duas profissões têm muito a ver com minha pessoa. Amo escrever e de saber como tudo no mundo começou, até porque. tudo e todos tem um passado, tem uma história para ser contada.