A cabeça dela não parava de girar e cada vez que girava parava em uma questão nova, um problema novo, um motivo diferente pra não se concentrar no agora e impedi-la de chegar ao clímax do prazer. Por mais que ela se concentra-se, era como se a cabeça andasse em um labirinto sem encontrar o ponto certo.
Naquele dia nem mesmo o vinho foi capaz de deixa-la mais leve. Na verdade eu acho que talvez a cabeça girasse justamente pelo excesso de álcool.
Mas infelizmente não era só isso. Logo ela que não costumava beber pra me sentir livre, se viu totalmente perdida entre o desejo do prazer e um cérebro que pensava quase que 24 horas em 1001 questões.
Outro dia leu em uma reportagem que mulheres já conseguiram ultrapassar o número de infartos que antes eram atingidos apenas pelo sexo masculino, e esse combo veio junto com o empoderamento de um feminismo para fazê-la livre. Olhando desse ângulo até parece que liberdade feminina é prejudicial a saúde da mulher, mas a verdade é que a voltagem parece alta demais e o terreno nada firme pra mulheres.
Enquanto ela se via ali tentando se concentrar no momento, percebia que nem ao menos sabia acionar os gatilhos naturais de seu corpo, pra relaxar e se entregar apenas ao prazer que tinha total direito de sentir.
E olha que ela se esforçou pra isso!
Lingerie nova, perfume ok, música no fone de ouvido durante o trajeto até o local marcado, pra já dar aquela animada e pronto, lá estava ela. Incrivelmente dona de si.
A cama era gostosa, a pessoa que partilhava esse momento era exatamente com quem ela desejava estar, mas ela não era mais quem costumava ser.
Quem em sã conciência para e tenta solucionar problemas na hora H?
Ela não conseguia se lembrar da última vez que chegou ao orgasmo e que frases como “Essa semana eu não posso”, “Vamos deixar para nos ver outro dia” ou “Hoje estou muito cansada”, apesar de expressarem seu cansaço da semana desgastante, a afastava da própria relação com o seu íntimo ,não apenas emocional, mas físico e sexual.
No outro dia queria conversar com amigas sobre a situação, mas sua cabeça ainda estava tentando articular demandas urgentes, reflexo das intervenções militares em vários pontos da cidade e que atingiam pontualmente o seu trabalho. As questões nem estavam ligadas diretamente a el, mas a bala que pipoca lá, pipoca cá também.
Parou, sentei e respirou. Como em um subito momento de sanidade falou consigo mesma: “Que merda! Como que faz agora? Como aciona o gatilho pra nada disso interferir novamente?”
A resposta não veio!
Sua vontade era sentar e em um bate papo com as amigas, contar sobre o carinha do tinder que tinha evoluído e ultrapassado os seus medos de ser mais uma vítima de um encontro abusivo. Queria falar como foi incrível não ver seu corpo objetificado, mas como estava sendo incrível avançar etapas que antes eram barreiras apenas por ser mulher negra e de favelada. Seu pensamentos for parados por mensagens incessantes que chegavam ao celular.
– Ninguém sai de casa ou volta hoje, o bicho tá pegando e não sabemos quando vai parar.
Ela queria ao menos hoje falar sobre prazer, sentir prazer. Queria apenas por hoje não falar de outras mulheres que tiveram seus corpos destruídos apenas por serem mulheres. Queria apenas por hoje esquecer tudo isso, mas fica pra próxima vez. Claro, se a cabeça aguentar a truculência, afinal ela nem sabe o calibre do perigo, mas sente.