Por Dau Bastos *

No Oriente, há quem veja crise no duplo sentido de risco e oportunidade – ideia que pode iluminar a fase atual da relação entre o Condomínio Equitativa e o Morro dos Prazeres.

O risco é de os ânimos se acirrarem ainda mais e a situação sair completamente do controle. Caso isso aconteça, todo mundo perderá: o ar ficará irrespirável, os imóveis dos moradores tanto do condomínio como do morro sofrerão uma desvalorização vertiginosa e Santa Teresa será definitivamente marcada como área da cidade dada à violência.

A oportunidade que se apresenta é de as duas comunidades se unirem e, com a força resultante da canalização de esforços com o objetivo de encontrar uma solução boa para todos, conseguirem que o poder público crie condições para tal. Tal cenário não é nada utópico. Para se concretizar, precisa menos de idealismo do que de pragmatismo.

A antiga história do Morro dos Prazeres com o Equitativa (parte 1)

Evidentemente só se logrará êxito se os dois lados baixarem as armas e mantiverem em mente que a meta é construir um futuro de convivência verdadeiramente pacífica. Caso os últimos acontecimentos tenham desgastado alguns dos atuais interlocutores, ambas as comunidades são suficientemente numerosas para escolherem novos porta-vozes. Além disso, podem recorrer a instâncias neutras, tanto da sociedade civil como do Estado, que ajudem nas negociações.

Acontece que, se o esforço em prol de um desenrolar bom para todos não for feito agora – quando a Copa do Mundo e as Olimpíadas lançam os holofotes do planeta sobre o Rio de Janeiro –, não somente se perderá uma chance que dificilmente voltará como rapidamente teremos um arremedo de Faixa de Gaza em plena Santa Teresa.

A antiga história do Morro dos Prazeres com o Equitativa (parte 2)

Como alguém que estava no Equitativa durante o pico de violência do bairro, torço ardorosamente para que ele não se repita. Conforme comprovam os últimos acontecimentos, os motivos são bem diferentes daqueles que traumatizaram todo mundo em meados dos anos de 1990, mas nem por isso menos explosivos.

É o que pensa igualmente Seu Jorge Joaquim da Silva, que passou quase trinta anos trabalhando para o condomínio, onde se encarregava de um leque de atividades que iam da administração de obras à mediação da relação entre os moradores das duas comunidades:

– Para que a paz volte e permaneça, é preciso muito diálogo.

As palavras de Seu Jorge são simples, mas irrefutáveis. Seu sentido me pareceu ainda mais evidente durante as longas conversas que tive com amigos do Equitativa e dos Prazeres – cujos anseios me parecem perfeitamente compatíveis.

Voz do morro

Nas discussões sobre a instalação do portão e demais incidentes, a classe média se manifestou amplamente, tanto junto aos grandes meios de comunicação como através das mídias alternativas, a exemplo da internet. Ainda que algumas conversas tenham sido marcadas pela divergência entre os próprios membros da classe média, o ponto de vista dos defensores da manutenção do portão foi muito difundido, chegando a pautar matérias e mesmo o discurso de algumas autoridades.

Como o ocorrido mexeu com o bairro como um todo, a Associação de Amigos e Moradores de Santa Teresa abriu espaço em seu site para que os dois lados se pronunciassem. No entanto, devido às próprias dificuldades materiais e de expressão de boa parte dos habitantes dos Prazeres, o debate continuou restrito à classe média. Só que vários moradores do morro insistiram para que nós –conhecedores do histórico que faz com que a passagem pelo condomínio seja vista, à luz da lei, como servidão – subíssemos e víssemos a situação atual de quem vive lá em cima.

Assim se explica que Rafael Nunes e eu tenhamos seguido pela servidão desde o condomínio até a Colina no domingo passado, 11 de março de 2012. O contato com moradores aos quais fomos apresentados durante a visita ou que já conhecíamos foi, sem exagero algum, excelente.

Prova disso o leitor encontra nos dois pequenos vídeos cujos links se encontram ao final deste texto. Trata-se de um depoimento de Seu José Gonçalves de Oliveira, que mora na Colina desde 1952, portanto antes da existência do Equitativa, em cuja construção trabalhou. Suas palavras são muito valiosas para a preservação de uma história que remonta ao século passado e, quem sabe, ao tempo em que os escravos fugiam para o morro de Santa Teresa.

A solução é criar outro acesso

Foi muito bom constatar que o pessoal dos Prazeres deseja a construção de um acesso de automóveis pelo outro lado. Essa nova via possibilitará que os carros da própria comunidade ou que lhe prestam serviço e assistência (carretos de supermercados, ambulâncias, viaturas do corpo de bombeiros etc.) cheguem até o Campinho, onde começam as moradias.

Constatamos a importância dessa nova rua para a melhoria da qualidade de vida ao vermos moradores da Colina caminhando centenas de metros desde a quadra de esportes do Equitativa – limite para chegada de carros – até suas casas. O sacrifício ganhou ainda mais concretude nas imagens de homens atravessando essa longa distância com material de construção nas costas. É de se imaginar a aflição de quem precisa levar um parente enfermo para o hospital.

Ora, quem quer que analise todos os comentários publicados pelos moradores do Equitativa sobre o problema percebe que a construção de uma pequena rua pelo outro lado reduzirá a quase nada os motivos de conflito. Segundo o fotógrafo Ricardo Beliel – morador do Equitativa – disse em e-mail que me enviou e publicou posteriormente em minha página no Facebook, o condomínio não tem intenção de impedir a passagem de pedestres pela servidão. Garantido esse direito e aberto um acesso de automóveis pelo outro lado, esse ponto de interseção entre as duas comunidades viverá o pico que os amigos e vizinhos do Equitativa e dos Prazeres queremos: de tranquilidade.

O momento é agora

Sabemos que os grandes eventos de 2014 e 2016 têm mantido os governos municipal, estadual e federal muito atentos ao que acontece em Santa Teresa. A proposta dos moradores dos Prazeres que encontramos ao longo da servidão, em diferentes casas, na igreja da Assembleia de Deus e no Campão é a mesma: que se construa uma via de acesso que conecte o Campinho à Rua Gomes Lopes ou a outra do Rio Comprido.

Logicamente, os especialistas dos próprios órgãos governamentais apontarão o melhor trecho da encosta para construir a via. Outros avaliarão o impacto ambiental que a obra causará na Floresta da Tijuca. Em conjunto, certamente pensarão formas de o acesso atender tanto às necessidades cotidianas quanto àquelas que dependem da presença do poder público – como a coleta de lixo.

A esse propósito, Antônio Ardilino, obreiro conhecido de todo o bairro e moradora da Colina desde 1978, falou demoradamente sobre as medidas que ele e os vizinhos vêm tomando, sob a coordenação do ambientalista Charles Siqueira, para resolver o problema do lixo. Com o novo acesso, a Comlurb terá oportunidade de ampliar seu raio de ação e contar com a parceria de uma comunidade bastante consciente.

Outro tópico sublinhado por Antônio foi o reflorestamento realizado ao longo dos últimos vários anos, que tornou a área ainda mais agradável, mais segura no tocante à contenção da terra e suficientemente preciosa para que os habitantes da Colina zelem pela sua preservação – obviamente com a participação ativa do poder público.

Nosso último ponto de parada foi o Campão, onde conversamos com Flávio Minervino, diretor do Centro de Apoio às Comunidades de Santa Teresa (Camfast), sobre o que havíamos ouvido dos moradores. Percebemos que a proposta de construção da via alternativa é uma unanimidade.

– O único temor é que a luta por uma solução boa para todos perca fôlego – explicou Flávio.

A mobilização do poder público é sempre cansativa, mas parece claro para os moradores dos Prazeres que verdadeiramente desgastante é a situação de insegurança quanto ao acesso às suas residências, à qual se acrescenta a perda de energia decorrente de uma convivência tensionada com a vizinhança.

– A gente não quer briga com o pessoal do Equitativa – eis o que ouvimos de todos os moradores com os quais conversamos. – A gente deseja é sentar e ver o que é melhor para todos.

Votos

Como alguém que morou no Equitativa durante muitos anos e escolheu a faixa Equitativa-Prazeres como cenário principal do romance juvenil Pompons & azeitonas (1994) e do romance adulto Reima (2009), torço pelo entendimento de meus caros vizinhos, cujas casas tenho a alegria de continuar avistando do prédio para onde me mudei.

Como alguém que participou de outros movimentos protagonizados em conjunto pelas duas comunidades, faço votos de que o povo dos Prazeres e do Equitativa aproveite que as condições são mais propícias do que nunca à resolução do problema que o aflige, para juntar forças e dar esse importante passo no sentido da paz.

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Dau Bastos é escritor e professor de Literatura Brasileira (UFRJ). Morador de Santa Teresa desde 1979, participou de movimentos comunitários como o Viva Santa.