A importância dos cursos comunitários para quem sonha com a universidade.
Em entrevista com a professora de 24 anos, Lourrane Cardoso dos Santos, cotista e bolsista, graduada em História na UERJ, atualmente estudante do PPGH da UNIRIO, cursando Mestrado Acadêmico em História: Patrimônio, Memória, Ensino de História e Historiografia, moradora do Morro São José Operário (Praça Seca, Jacarépagua), ela nos conta sobre a importância dos cursos comunitários que proporcionam uma oportunidade para aqueles que não tem condição financeira de pagar cursos particulares e das dificuldades pessoais que enfrentou para estudar.
Muitos moradores de favela tem o sonho de se formar, cursar uma faculdade na tentativa de mudar a realidade imposta na frente deles, porém a violência, a baixa qualidade de vida e diversos fatores, os impedem de competir igualmente pelas vagas. O conselho que Lourrane dá para os seus alunos é a dedicação e persistência, pois o sistema existe para impedir e excluir quem procura uma ascensão social.
Ajudando a transformar vidas
Atualmente ela é colaboradora da rede Emancipa e ajuda a transformar vidas através dos estudos, utilizando a oportunidade que teve de maneira correta. Porém, a desigualdade não diminuiu, ainda que tenham diversos cursos gratuitos, competir com alunos de cursos de ponta é muito difícil. A meritocracia não se aplica para esses casos, pois a falta de investimento na educação pública continua sendo o grande problema na formação de novos cidadãos.
Lourrane também foi aluna de pré-vestibular gratuito no EDUCAFRO, na Taquara, que funcionava num colégio que frequentou no ensino médio. Seus pais foram as maiores referências para que ela não desistisse, seu pai, motorista particular, e sua mãe, dona de casa, estudaram só até o início do ensino fundamental, pois tiveram que trabalhar muito cedo. Mas graças ao curso e o apoio dos familiares, ela pode se tornar a primeira da família a cursar uma faculdade pública.
Onde está o ensino de qualidade?
Ter uma visão de como funciona a favela é importante para entender os problemas enfrentados pelos estudantes diariamente, pois além de toda a dificuldade social, eles não tem a oportunidade de estudar em uma escola pública de qualidade. Não basta só ir a escola, o governo tem que proporcionar um ensino justo, com uma boa infraestrutura, sem faltar merenda, garantindo um conforto adequado para que os alunos possam competir com escolas particulares.
Temos como exemplo o Colégio Pedro II, uma das poucas escolas que tem um investimento financeiro maior,mas já está sofrendo com a medida do governo federal, que bloqueou cerca de 36,37% da verba da instituição. Os diretores disseram que o corte causará “implicações devastadoras” e “consequências para a manutenção” da instituição, pois os contratos com a inciativa privada não poderão ser pagos, de acordo com o reitor do Colégio.
Além das faculdades públicas que também sofreram bloqueios de verba. “Universidades que, em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas”, disse o ministro Abraham Weintraub. As faculdades como a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA), se enquadraram nessa afirmação do ministro e sofreram os cortes.
Balbúrdia: desordem barulhenta; vozearia, algazarra, tumulto; situação confusa; trapalhada, complicação.
De acordo com o RUF 2018, feito pelo Folha de S. Paulo desde 2012, que avalia aspectos como pesquisa, internacionalização, inovação, ensino e mercado de 196 universidades, as faculdades citadas pelo ministro correspondem respectivamente ao ranking da seguinte maneira:
9º Universidade de Brasília (UnB)
14º Universidade Federal da Bahia (UFBA)
16º Universidade Federal Fluminense (UFF)
Superação
A insistência junto com o apoio proporciona várias histórias de superação. “Como professora, eu tinha um aluno que ficou 10 anos tentando entrar no curso de direito da UERJ e ano passado ele conseguiu. Inclusive, eu fui colega dele no pré-vestibular, voltei para dar aula e ele ainda estava lá. O acompanhei por cerca de 4 anos e finalmente ele passou. Assim como eu tive alunos que entraram para os cursos de oceanografia e nutrição, cursos muito elitistas”, nos conta a professora.
Naturalização do medo
“Eu já sofri muito com a questão da violência dentro da favela, momentos em que tive picos nervosos, estresse, chorei de desespero e já deixei de entregar uma prova na faculdade por não poder sair de casa. A comunidade onde eu moro é palco de constantes conflitos, eu podia sair de casa e não voltar. Sou afetada e fragilizada em relação aos transtornos, pois eu tenho um desgaste muito grande, fico exausta e a minha família também. O medo de sair e não poder voltar ou tomar um tiro no meio do caminho, nos acompanha diariamente. Já tive momentos bem intensos, algo que durante muito tempo eu naturalizei, chorava, me sentia oprimida, mas não conseguia entender que isso advinha da nossa realidade, a gente sofre e não consegue entender o porquê”.