“Sobrevivendo no inferno”: o título do clássico disco dos Racionais MCs, que traz a faixa “Diário de um Detento”, segue sendo a perfeita descrição da dura vida de quem está privado de liberdade nos presídios do Brasil. Duas décadas se passaram desde o lançamento do álbum. Nada mudou, exceto para pior – a recente rebelião de presos em Manaus (AM), que acabou na morte de 56 pessoas, também serve como outra imagem ilustrativa de um problema, aparentemente, sem solução.
A população carcerária do Brasil já é a quarta maior do mundo. Segundo dados oficiais, temos mais de 620 mil presidiários – é como se uma capital tal qual Aracaju (SE) fosse uma grande cadeia e todos os seus habitantes estivessem presos. Conforme bem lembrado pelo ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, as prisões do país, principalmente as masculinas, mais se parecem com masmorras medievais: homens amontoados em cubículos imundos e abafados, que muitas vezes precisam se revezar para dormir ou até mesmo para se sentar devido à falta de espaço, são um retrato do total desrespeito do Estado para com a vida humana.
Os presidiários são encarados como um peso morto (porém, ruidoso) pela sociedade – pessoas que não produzem nada para o país, que “comem e bebem às custas do contribuinte”. O Estado falha, mais uma vez, em não fazer nada por eles, que poderiam estar ocupando seu tempo estudando ou aprendendo profissões que já salvaram tantos egressos de uma recaída para a vida do crime. De que maneira pode-se esperar que alguém seja reinserido na sociedade após passar por uma experiência aterrorizadora como esta? Após não ver qualquer perspectiva de melhora de vida? Após passar anos de sua vida ocioso? “Cabeça vazia, oficina do Diabo”, já dizia o ditado.
A guerra de facções rivais gerou o banho de sangue em Manaus, é um fato. Mas isso não elimina a dificuldade do Estado em lidar com o problema da superlotação dos presídios e de tudo que acompanha este fator. O diálogo parece cada vez mais difícil após a chegada do ministro da Justiça Alexandre de Moraes, que a toda hora solta declarações estapafúrdias na imprensa e repete um discurso ultrapassado de endurecimento de leis sem pensar nos gastos que o aumento da já gigantesca população carcerária pode trazer.
Enquanto nada disso acontece, seguimos contando os mortos e feridos.