Após notificação na quinta feira (dia 5), Agentes da Secretaria de Ordem Pública da Prefeitura do Rio estiveram na Bienal do Livro Rio hoje (sexta feira dia 6) para fiscalizar a revista dos Vingadores “A cruzada das crianças”.
Não é o primeiro caso de censura no atual momento conservador que enfrentamos no país. Em janeiro, o ministério da saúde retira do ar cartilha voltada para saúde de pessoas trans. Mais tarde, Bolsonaro veta filmes com temática LGBT+. Ele também demitiu o diretor no Inpe por publicar pesquisa quee mostrava os altos índices de desmatamento da Amazônia no país. Na bienal do livro do Rio de Janeiro, a censura foi a mando da prefeitura, a um produto cultural que mostrava um casal gay. Marcelo Crivella se manifestou nas redes sociais: “Pessoal, precisamos proteger as nossas crianças. Por isso, determinamos que os organizadores da Bienal recolhessem os livros com conteúdos impróprios para menores. Não é correto que elas tenham acesso precoce a assuntos que não estão de acordo com suas idades.’
Destaco aqui algumas partes da nota da prefeitura do Rio de Janeiro sobre o caso, interessantes para reflexão. A prefeitura começa apresentando que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina que conteúdos impróprios para menores sejam comercializados lacrados e com devida advertência. Logo depois, admite que a editora estava ciente da legislação, tanto que as revistas em quadrinhos estavam devidamente lacradas. Porém, a prefeitura achou — sim, baseada no achismo e ainda afirmou “de acordo com o ECA” — que ‘’homossexualismo’’ (usando um termo inadequado, que remete historicamente a identidade à doença) seria um conteúdo impróprio a menores. Ainda teve a hipocrisia de argumentar não se tratar de “trans ou homofobia” e mostrou a resistência dos frequentadores da Bienal apenas como opinião e opção de escolha de conteúdo de leitura para seus filhos. Além de forçar a barra, baseada no senso comum de que histórias em quadrinhos são voltadas apenas ao público infantil, desconsiderando a legião de adultos que acompanham essa cultura e esquecendo que essa série de quadrinhos em questão é destinada ao público adulto, custa inclusive 40 reais, o que é incomum para uma criança ter acesso sozinha, também se baseou no senso comum de que homossexualidade seria impróprio para crianças.
Não é difícil encontrar conteúdos de cunho sexual em histórias em quadrinhos com personagens heterossexuais mas nestes a prefeitura não está preocupada com amostra de advertências. Nem é preciso ir até a cultura nerd, pode se olhar ao redor e encontramos incontáveis exemplos de adultização de menores aceita quando é dentro da norma heterossexual. A prefeitura termina o texto advertindo a Bienal quanto à possível fechamento do evento caso a norma inventada pela prefeitura não seja cumprida. A prefeitura do Rio desconsiderou a liberdade de expressão, garantida pelo artigo 5º, da Constituição Federal, “é livre a manifestação do pensamento”.
A bienal não aceitou a censura: “Este é um festival plural, onde todos são bem-vindos e estão representados. Inclusive, no próximo fim de semana, a Bienal do Livro terá três painéis para debater a literatura Trans e LGBTQA+. A direção do festival entende que, caso um visitante adquira uma obra que não o agrade, ele tem todo o direito de solicitar a troca do produto, como prevê o Código de Defesa do Consumidor.”
Créditos: Reprodução
A nota de esclarecimento pode ser lida na íntegra:
NOTA DE ESCLARECIMENTO
A Prefeitura do Rio notificou, na tarde desta quinta-feira, dia 5, por intermédio da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop), a organização da Bienal do Livro a adequar obras expostas na feira aos artigos 74 a 80 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A legislação determina que publicações com cenas impróprias a crianças e adolescentes sejam comercializadas com lacre (embaladas em plástico ou material semelhante), com a devida advertência de classificação indicativa de seu conteúdo.
No caso em questão, a Prefeitura entendeu inadequado, de acordo com o ECA, que uma obra de super-heróis apresente e ilustre o tema do homossexualismo a adolescentes e crianças, inclusive menores de dez anos, sem que se avise antes qual seja o seu conteúdo.
A própria editora sabia da obrigação legal. Tanto que a obra estava lacrada. Não havia, porém, uma advertência neste sentido, para que as pessoas fizessem sua livre opção de consumir obra artística de super-heróis retratados de forma diversa da esperada.
Houve reclamação de frequentadores da feira, que têm direito à livre opinião e opção quanto ao conteúdo de leitura de filhos e adolescentes, pessoas em formação.
Portanto, não há qualquer ato de trans ou homofobia, ou qualquer tipo de censura à abordagem feita livremente pelo autor, mas exercício do dever de informação quanto ao que se considerada material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes, exigindo-se, assim, o lacre e a advertência.
Em caso de descumprimento, o material sem o aviso será apreendido e o evento poderá ter sua licença de funcionamento cassada.
Diz o artigo 78 do ECA: “As revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com a advertência de seu conteúdo” |