As redes sociais tornaram-se objeto de grande expectativa e especulação por parte de observadores, analistas e marqueteiros políticos. Seu papel nas eleições presidenciais estadunidenses parece ter sido bastante relevante, primeiro na segunda campanha de Barack Obama e, mais recentemente, na campanha vitoriosa de Donald Trump.
Mas o sucesso surpreendente de Trump veio também com um grão de sal. A empresa que fez sua campanha nas redes, a Cambridge Analytica, foi acusada de ter utilizado dados privados dos usuários do Facebook para fazer microendereçamento de propaganda eleitoral, e isso com a anuência da rede social sob o comando de Mark Zuckerberg. O vazamento de tal informação, meses depois da eleição, atingiu em cheio a credibilidade do Facebook frente a seus usuários, que são na verdade seu maior ativo. Para tentar recuperar sua imagem perante a opinião pública, a maior rede social do mundo passou a adotar procedimentos bastante estritos para o fornecimento de dados das páginas nela contidas, o que limitou o poder de análise de operadores de marketing e pesquisadores acadêmicos.
Nesse contexto posterior ao escândalo da Cambridge Analytica, o impacto eleitoral do Facebook começou a ser posto em questão. Isso é particularmente verdadeiro para um país como o Brasil, que é terceiro lugar no mundo em número de usuários dessa rede social, atrás somente de Índia e dos EUA, mas que tem praticamente metade de sua população fora da rede. Em suma, o que parecia ser a galinha dos ovos de ouro dos marqueteiros, todos empenhados em desenhar estratégias de impulsionamento de propaganda eleitoral, agora é mais uma fonte de incerteza, em uma eleição coalhada delas.
Dito isso, o presente artigo pretende fazer uma análise das (pré) campanhas dos candidatos à presidência no Facebook, usando os dados ainda disponíveis, obtidos por meio do programa Fanpage Karma. Quero mostrar que mesmo com um acesso limitado aos dados, podemos produzir análises bastante interessantes sobre o atual estado da corrida presidencial.
Sem mais delongas, abaixo vai uma tabela com os dados das páginas dos principais candidatos à presidência em período de 28 dias que vai de 19 de julho a 15 de agosto, dia do registro oficial dos candidatos.
As páginas dos candidatos foram ordenadas pelo número de fãs. Contudo, nem essa variável, nem qualquer outra da tabela, tem poder de explicar sozinha o sucesso ou insucesso das campanhas nessa rede social. Uma leitura mais abrangente da tabela mostra que as páginas de Bolsonaro (PSL) e de Lula (PT) são de fato as líderes, pois elas não somente têm um volumoso número de fãs como apresentam números competitivos em todos os quesitos. Na verdade, a despeito de Bolsonaro ter mais fãs que Lula, a página de Lula tem significativamente mais posts, engajamento[1], compartilhamentos e comentários que a página do ex-militar. A produção de 306 posts no período é somente suplantada por Álvaro Dias (Podemos) e Boulos (PSOL), e mostra que o PT montou uma máquina de produzir conteúdo para as redes sociais bem mais robusta que a de Bolsonaro, pelo menos até o momento.
Produzir conteúdo, entretanto, não garante o sucesso da página. Álvaro Dias abiscoitou 1.153.789 fãs em sua página, um feito bastante raro dado a pouca projeção nacional de sua figura. Produz número recorde de posts. Quando nos movemos para o engajamento vemos que tem praticamente um terço da marca do petista, sendo que sua página recebeu em torno de 11 vezes menos comentários que a de Lula. João Amoedo (Novo) é ainda mais desconhecido, mas produziu uma página bastante popular no Facebook, com 1.389.255 seguidores, e com crescimento e engajamento bem mais robustos que os de Dias. Contudo, seu número de comentários é comparativamente muito baixo. A razão entre comentários e compartilhamentos ou entre comentários e likes é de 4 a 5 vezes menor em Amoedo do que em seus competidores mais bem colocados (Bolsonaro, Lula e Marina).
Em suma, Amoedo e Dias são exemplos de páginas que investiram na produção de conteúdo e de engajamento, mas que mostram fragilidades. A página de Dias parece atrair pouca gente tendo em vista a quantidade de coisas que posta e a de Amoedo parece atrair gente com um comportamento pouco humano, afinal de contas, por que seus potenciais eleitores seriam tão avessos a comentar posts comparados aos visitantes das páginas de seus competidores?
Marina Silva (Rede) é única em seu perfil. Por um lado, tem um número enorme de fãs, mas apresenta números desanimadores no que toca o crescimento, a produção de posts e o engajamento dos usuários. Esses são sinais de falta de estrutura de campanha, ou da adoção de uma estratégia totalmente avessa às redes sociais, o que é improvável.
A página de Geraldo Alckmin (PSDB) tem também um perfil bastante deprimido, particularmente se levarmos em conta o fato de ele pertencer a um dos partidos mais competitivos do Brasil, ter sido governador repetidas vezes do estado mais populoso e rico do país e já ter sido candidato à presidência da república: número mediano de fãs, crescimento quase nulo, produção mediana de posts e baixo engajamento.
Guilherme Boulos tem uma página bastante ativa para o tamanho do seu partido. O número de fãs é acanhado, mas a produção de conteúdo é a segunda maior entre os pares, altíssimo engajamento e números de curtidas, compartilhamentos e comentários superiores aos de Marina Silva.
Por fim temos a página de Ciro Gomes (PDT), com um terço do número de fãs de Alckmin, menos de um décimo dos de Lula, baixa produção de conteúdo, engajamento bom, mas com baixo número de curtidas, compartilhamentos e comentários.
O quadro acima nos fornece várias pistas.
Fica claro que o debate eleitoral no Facebook tem sido travado entre Bolsonaro e Lula, de longe as duas maiores forças. As análises semanais do MFacebook[2], na página do Manchetômetro, vem mostrando essa polarização dominante desde o final do ano passado. Bolsonaro só tem as redes sociais e a cobertura da grande mídia, que até agora não lhe tem sido simpática, para fazer campanha, uma vez que seu tempo de horário eleitoral é pífio. Contudo, a página de Bolsonaro não cresceu de maneira vigorosa ao longo do semestre, perdendo inclusive para o crescimento da de Lula, a que mais expandiu seu número de fãs proporcionalmente.
Marina, com pouquíssimo tempo de horário eleitoral, não terá campanha forte nas redes e dependerá exclusivamente de seu recall e da cobertura da mídia, já que sua estrutura partidária não permite uma campanha de rua forte. Ciro Gomes está em situação bem similar no que toca os recursos para a campanha e o perfil de sua atuação no Facebook.
Por fim, Alckmin parece não estar tentando enfrentar Bolsonaro em seu elemento, as redes sociais, ainda que fosse crucial para ele disputar parte dos votos do candidato de extrema-direita. O tucano vai apostar na generosa fatia de horário eleitoral, na ampla estrutura partidária de sua coligação e na simpatia que a grande mídia historicamente tem dedicado aos candidatos do PSDB. O desafio que tem pela frente, contudo, é enorme, uma vez que o tempo de campanha está bastante reduzido e sua popularidade não conseguiu ainda romper a barreira do dígito único.
A presente análise das páginas dos candidatos do Facebook no período pré-campanha mostra duas coisas básicas:
(1) até agora a polarização nas redes continua seguindo padrões de polarização entre a nova direita e o PT, que já se estabeleceu desde 2013;
(2) candidatos que estão investindo em produzir fortes campanhas no Facebook sem uma história prévia de engajamento com a rede social, como é o caso de Dias e Amoedo, não estão conseguindo bons resultados.
Os candidatos que não estão com presença forte na rede, como Alckmin, Ciro e Marina, ou apostam em estratégias alternativas ou não têm pernas para lutar em mais esse espaço comunicativo, cada vez mais profissionalizado. Isso, contudo, não há como saber ao certo com os dados que temos aqui.
Da maneira como as coisas se configuram nesse momento, às portas do início da campanha, as redes sociais não dão sinais de serem capazes de revolucionar as campanhas políticas em 2018, como muitos imaginavam.