Sou só eu ou todos têm a sensação de que estamos com dois presidentes da república? Bolsonaro é o de direito e Lula o de fato, desde as declarações feitas na semana passada e que sacudiram o país com tal intensidade que não apenas Bolsonaro como todo o primeiro escalão apareceu devidamente mascarado no dia seguinte para as fotos. Lula já está de malas prontas para percorrer mais uma vez o país de alto a baixo qual profeta no deserto falando verdades que o povo, cego ao meio-dia, não enxerga.
Em Brasília contam que, “porque Lula mandou”, um ministro foi dormir de máscara – não se sabe se civil ou militar, mas com certeza foi um seguidor da máxima “um manda, outro obedece”, proclamada pelo general Pauzelo ao explicar por que cancelou a compra de 46 milhões de vacinas chinesas via Instituto Butantan no dia seguinte ao anúncio, desautorizado pelo presidente de direito.
Além de anular a compra, Bolsonaro fez uma série de declarações em cascata, publicadas na imprensa no dia seguinte, 21 de outubro do ano passado, ou seja, há pouco menos de cinco meses. Confira:
“Toda e qualquer vacina está descartada”. “Tem que ter uma validade da Saúde e uma certificação por parte da Anvisa também”. “Já mandei cancelar, o presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade (…) Até porque estaria comprando uma vacina que ninguém está interessado nela, a não ser nós”. “A vacina tem que ter uma comprovação científica, diferentemente da hidroxicloroquina, posso falar sobre isso, tem que ter sua eficácia. Não pode inalar (inocular) algo em uma pessoa e o malefício ser maior do que o benefício, apenas isso”.
Por todas as declarações, mais aquelas em que chama a Coronavac de “vacina chinesa do Dória” e o próprio coronavírus de “vírus chinês” e as feitas por seu filhote Eduardo sobre a invasão comunista chinesa pela pandemia (e até pelo G5 que a Huawei quer implantar aqui, mas que o papai acaba de proibir também), avalia-se a dificuldade de o Brasil lidar com o governo de Xi Jinping.
Agora que o “presidente de fato” decretou a prioridade da vacinação no Brasil, o Palácio do Planalto tenta desesperadamente obter vacinas e insumos da mesma China que xingou até ontem. O jornalista Fernando Morais tornou públicou no seu blog as tratativas de Lula e Dilma junto ao governo chinês desde o começo das agressões idiotas do clã Bolsonaro pela manutenção das relações históricas entre os países e rogam desconsiderar as declarações hostis dos representantes brasileiros onde se incluem Abraham Weintraub, Ernesto Araújo, Eduardo e Jair Bolsonaro – salvo esquecimento meu. E um parlamentar petista revelou que Lula tratou diretamente com a autoridade russa competente a liberação de vacinas Sputnik V para o Brasil, ainda quando o governo patinava na paranoia anticomunista de sempre.
Assim ficamos sabendo que o governo paralelo do “presidente de fato” age já há um bom tempo, para conforto dos brasileiros sensatos; ou talvez o governo chinês já tivesse cancelado contratos de cooperação e de compra das nossas commodities agrícolas. Muito se baseia o “governo de direito” na cada dia menor dependência chinesa da nossa soja (15% menos de 2018 par 2019) e da nossa carne, ignorante dos esforços dos chineses em substituir a soja brasileira pela argentina e do sudeste asiático e do futuro acordo com os Estados Unidos.
Na reunião de agosto último sobre o acordo comercial entre as duas megaeconomias mundiais, abordaram passos da China para mudanças estruturais “que irão assegurar maior proteção para direitos de propriedade intelectual, remover os impedimentos para companhias americanas nas áreas de serviços financeiros e agricultura e eliminar a transferência forçada de tecnologia, segundo nota divulgada então.
Ignoram também a suinocultura que na China experimenta hoje desenvolvimento ao ponto de erguerem-se edifícios de 13 andares destinados à criação de porcos. Mas se souberem da novidade Jair e sua trupe vão debochar em seu melhor estilo, como os imbecis fazem diante do que não conhecem ou sabem. Felizmente, ao que parece os desatinos de Bolsonaro estão a caminho do fim, e o país deve isso ao ministro Edson Fachin, que na ânsia de ajudar Sérgio Moro botou Lula no páreo para disputar a presidência no ano vindouro – e manteve o ex-juiz da Lava Jato na alça de mira.
Até lá, penso eu, teremos os dois governos, o oficial e o paralelo, sendo o segundo mais acreditado que o de direito – ou o presidente da maior potência mundial, Joe Biden, não teria saudado um passo para a democracia o cancelamento dos processos no Brasil. Ele já está informado de que o deputado federal Eduardo Bolsonaro esteve em Washington na primeira semana do ano planejando a invasão do Capitólio no dia seis de janeiro, tido como o mais grave ataque feito à democracia norte-americana, que não será perdoado nem esquecido.
Como se vê, Jair Bolsonaro está no mato sem cachorro, como era costume dizer antigamente, e o mundo aposta em Lula para recuperar o país do desastre em que está envolvido desde janeiro de 2019 e voltar à roda internacional de conversas sobre meio ambiente, aquecimento global, redução de armamentos, direitos humanos, igualdade social, comércio internacional e outros temas tão caros ao desenvolvimento sustentável do planeta. O problema são os generais. Eles estão convencidos de que os chineses espalharam o vírus pelo mundo e identificam a política mundial como a besta do apocalipse, daí o discurso antiglobalização de Ernesto Araújo e a opção brasileira por ser pária no mundo e têm visão sobre a Amazônia e direitos humanos diretamente oposta à dos setores progressistas internacionais. Esta conversa que pensamos ser delírio de meia dúzia é a crença generalizada nas forças armadas, que enxergam Bolsonaro como líder “amado e idolatrado por 80 milhões de brasileiros”, no dizer do general Braga Neto em áudio amplamente difundido nas redes sociais.